Um inovador amante da tradição
Perfil
Fala-se em escola francesa, na historiografia, e as pessoas tendem a pensar na revista Annales (com todas as diferentes formas que ao longo de décadas completaram o título) e ao predomínio da história económica e social, que entre nós era dominante no pós-25 de Abril, como expressão libertadora de um ramo do saber que em boa parte havia sido condicionado, asfixiado e até instrumentalizado pela ditadura. A escola francesa de Armando Luís Gomes de Carvalho Homem, porém, foi outra. Num tempo em que a velha história política – quantas vezes encomiástica e instrumentalizada – era amaldiçoada, foi dos mais destacados entre os que meteram mãos a reabilitá-la, inovando entre nós, na metodologia e na cientificidade, no que à Idade Média respeita. Sem buscar a fama, tantas vezes reservada à superficialidade, contribuiu decisivamente para o avanço da historiografia e marcou indelevelmente gerações de alunos que com ele se cruzaram, sobretudo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde cumpriu o percurso académico até à cátedra e à aposentação.
Nascido em Coimbra em 1950, no seio de uma família de raízes beirãs, filho de um professor de físico-químicas e de uma farmacêutica, teve uma infância itinerante, cumprindo os anos da instrução primária em Ponta Delgada, em Braga e no Porto, onde a família finalmente se fixou. Aí cumpriu a escolaridade até ao fim do ensino liceal, no emblemático Liceu de Alexandre Herculano, e aí regressou para ingressar na licenciatura em história na que veio a ser a sua Alma mater, depois de um ano de interregno a contrariar a vocação e a cursar direito na cidade natal. A Idade Média e a história política e institucional impuseram-se e marcaram logo desde o início a sua produção historiográfica, que veio a desembocar no doutoramento, obtido em 1985 com a monumental dissertação “O Desembargo Régio (1320-1433)”, que dele fez pioneiro em Portugal da prosopografia, método que chega ao coletivo através do estudo dos indivíduos que o compõem.
Referência em áreas como a teoria da história e a história da historiografia, é também senhor de uma memória poderosa, que lhe deu quase uma dimensão mítica no meio universitário (tornou-se famoso o expediente de debitar de cor os nomes completos de alunos e colegas). Não cabe aqui, naturalmente, a relação da vasta produção do autor, em livros e incontáveis artigos, em coordenação de obras coletivas, em revisão científica, em palestras e por aí fora, não apenas sobre os temas a que mais se dedicou, mas, por exemplo, sobre as tradições académicas ou sobre a guitarra de Coimbra, instrumento que o acompanhou desde sempre – o pai era guitarrista – e a que ele devolveu o gesto, tornando-se intérprete de viola de acompanhamento.