JN História

A Lua e o espaço vistos da Casa Branca (1)

- Miguel Gonçalves Coordenado­r Nacional da Sociedade Planetária

Éuma política declarada desta administra­ção e dos Estados Unidos reenviar astronauta­s à Lua dentro dos próximos cinco anos.” Foi dito em março último, numa reunião do Conselho Nacional do Espaço, pelo atual vice-presidente, Mike Pence. Déjà vu, terão pensado os mais atentos aos caminhos políticos da exploração espacial. “Planos leva-os o vento” – ou, neste caso, o Cosmos – também podia ser uma reação mais realista e popular sobre as efetivas consequênc­ias de tal declaração. E, no caso de Trump/Pence, os planos começam com uma já anunciada nova estação espacial internacio­nal, mais modesta em tamanho, mas numa órbita próxima da Lua, que possa ser suporte logístico para uma exploração humana mais arrojada do nosso saté

lite natural e para ganhar balanço para ir a Marte. Nos livros de história da exploração espacial não faltam palavras do género saídas da Casa Branca. Alguns historiado­res descrevem-nas como o “momento Kennedy” das administra­ções americanas, e quase todas, desde o início da era espacial, cederam à tentação de prometer revolucion­ários sonhos da Humanidade no grande oceano cósmico. Curiosamen­te, os presidente­s republican­os são mais tentados por essas retóricas e sonhos espaciais do que os democratas. E vem sempre a propósito uma máxima bem americana: “Put your money where your mouth is”, que é como quem diz que falar é fácil, mas a dificuldad­e está em sustentar financeira­mente os sonhos. No complexo sistema político e de gestão orçamental das suas várias agências, uma ideia da Casa Branca para a NASA acaba por ter suprema

influência nas suas liderança e orientação programáti­ca. E há uma tentação presidenci­al para fazer refletir no espaço ambições políticas bem terrestres. Por isso, será interessan­te, neste ano do 50.º aniversári­o da chegada do Homem à Lua, perceber, enumerar e sintetizar o que foie é o papel da Casa Branca nas visões espaciais da NASA, numa crónica em duas partes, sendo esta dedicada aos presidente­s que estiveram nas origens da era espacial, até ao fim do programa Apollo. Dwight Eisenhower (1953-1961) aprovou as primeiras missões espaciais americanas, ao abrigo do Ano Internacio­nal da Geofísica (1957/58), e muitos consideram estar aí o início da era espacial: havia um motivo científico para construir foguetões com capacidade para colocar satélites em órbita, sendo que, obviamente, o apelo científico podia ser interpreta­do de outras formas. Em tempos de constantes comparaçõe­s entre modelos políticos, económicos e sociais entres os dois grandes blocos saídos da Segunda Guerra Mundial, este presidente liderou também uma grande reforma educativa (National Defense Education Act, 1958), resposta ao declínio das instituiçõ­es de ensino americanas face às soviéticas. E esse tipo de comparação está na génese da NASA, obra também de Eisenhower: finda a guerra, em que o poder aéreo foi determinan­te, sabia-se que a arena espacial seria o passo seguinte e, para muitos, deveria ser gerida por entidades militares e secretamen­te, como sucedia na URSS. Ora, para se diferencia­r do adversário e dar a entender que os EUA tinham um interesse não bélico no espaço, Eisenhower criou uma agência totalmente aberta e civil (mas não livre de cooperaçõe­s externas militares) em 1958, em resposta ao triunfo do Sputnik – justamente a National Aeronautic­s and Space Administra­tion. Note-se que Eisenhower nunca pensou em levar humanos à Lua, algo que considerav­a uma idiotice e péssima gestão de recursos públicos... Quando muito, admitia voos tripulados na órbita da Terra, pelo que autorizou o projeto Mercury (a que se seguiram Gemini e Apollo), com esse limite.

John F. Kennedy (1961-1963) é considerad­o o pai presidenci­al da epopeia lunar. Hoje sabemos com clareza que, para ele, a corrida à Lua era um meio e não tanto um fim. Um soco decisivo na URSS para provar os superiores prestígio, ciência, tecnologia e capacidade de liderança dos EUA. Em boa verdade, não foi esse o seu instinto inicial; de uma genuína ou verdadeira­mente camuflada intenção (ainda hoje temos dúvidas), Kennedy pensou e afirmou que um feito desta magnitude podia ser atingido em cooperação com a URSS. Um fator de união. Em junho de 1961, propôs a Nikita Kruschev uma aventura a dois. O líder soviético começou por aceitar, mas recusou logo no dia seguinte. Kennedy voltou a manifestar esse desejo em 1963, no Congresso americano, mesmo depois de a URSS partir à frente, com as celebradas viagens de Iuri Gagarin (1961) e Valentina Tereshkova (1963). Para JFK, a Lua era política, tal como admitiu numa conversa com o administra­dor da NASA James Webb: “Eu não estou assim tão interessad­o no espaço”. A sociedade americana também não estava convencida, mas isso mudaria drasticame­nte em 22 de novembro de 1963, dia do assassínio de Kennedy. Com o distanciam­ento temporal e histórico, podemos especular e chegar com alguma segurança a uma revelação curiosa: o momento decisivo para a concretiza­ção do “grande passo para a Humanidade” de Neil Armstrong é a tragédia de Dallas. Os presidente­s que se seguiram encararam essa missão como um legado a cumprir, muito mais simbólico e de orgulho próprio do que numa lógica de competição política.

Veja-se o papel do sucessor de Kennedy, Lyndon B. Johnson (1963-1969). Se houve algum presidente com genuíno interesse, que tenha lutado pela concretiza­ção de sonhos espaciais, foi ele. Como “vice” de JFK, foi ele quem operaciona­lizou a política espacial. Mas bem antes, no Senado, foi um dos intervenie­ntes principais na aprovação da legislação que criou a NASA. Além de assegurar o legado lunar do antecessor, Johnson permitiu a concretiza­ção do primeiro grande tratado internacio­nal sobre exploração espacial (U. N. Outer Space Treaty), eliminando a possibilid­ade de engenhos nucleares no Espaço e entendendo a exploração da Lua e restantes corpos celestes apenas para fins pacíficos. Ironicamen­te, é com LBJ que começam os orçamentos decrescent­es da NASA, sem compromete­r o objetivo. Em janeiro de 1969 deixou a Casa Branca, mas fez questão de estar entre a multidão que assistiu à partida da Apollo 11 de Cabo Canaveral, em julho. O triunfo de Armstrong, Aldrin e Collins mereceu um “hooray” do presidente seguinte, Richard Nixon (1969-1974), um curioso sobre os ambientes espaciais, mas também sobre os novos heróis americanos, os astronauta­s. Foi ele quem recolheu todo o prestígio e impacto mundial da Apollo 11 e soube capitaliza­r mediaticam­ente o momento. Porém, não soube gerir a expectativ­a posterior quando uma parte da América já sonhava com estações espaciais gigantesca­s e a chegada a Marte: tudo parecia possível no dia seguinte àquele glorioso 20 de julho de 1969. Nixon rejeitou tudo, ajudado também pela conjuntura internacio­nal (Guerra do Vietname) e por polémicas internas. O susto da Apollo 13 também levantou receios. Com Nixon, foram canceladas as missões do programa Apollo, e o orçamento da NASA passou de 4% do PIB para pouco menos de 1%. O apoio da sociedade também foi desaparece­ndo. Mas os sonhos adaptam-se às sensibilid­ades (ou sua ausência) dos líderes. Isso ficou bem patenteado pela filosofia e ação da NASA após Nixon, que evocaremos na próxima crónica.

 ??  ??
 ??  ?? Buzz Aldrin, fotografad­o por Neil Armstrong, prestes a ser o segundo homem a pisar a Lua. Ao fundo, a Terra
Buzz Aldrin, fotografad­o por Neil Armstrong, prestes a ser o segundo homem a pisar a Lua. Ao fundo, a Terra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal