Um símbolo nacional com água no bico
Há sempre uma considerável dose de mistificação nos nacionalismos, e ter consciência disso é uma das melhores formas de estar – ou tentar estar – a salvo. Por outras palavras, os nacionalismos populistas, de que nunca é de mais falar, germinam em sociedades anestesiadas, ignorantes ou desligadas da cidadania. Isso é algo que também nos é dito, nesta edição, pelo historiador Amândio J. M. Barros.
E é também contra isso que se publica extenso e cativante dossiê sobre um assunto aparentemente tão prosaico como o Galo de Barcelos. Aparentemente.
Não se quer, claro está, que toda a gente corra a escavacar os galináceos de barro que houver lá em casa. Isso seria ridículo e desrespeitoso para com a formidável olaria figurativa barcelense (bom, se forem galos de fancaria, podeis parti-los à vontade). Fica aqui demonstrado que a origem do galo, em versões mais toscas e menos difundidas, é muito antiga. Mas também fica muito claro que a invenção do galo enquanto símbolo nacional foi um truque propagandístico do salazarismo, construído pela máquina montada por António Ferro, assente no Secretariado da Propaganda Nacional (depois Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo). Isso traz mal ao mundo? Não necessariamente. A ideia de “portugalidade”, enquanto condição congénita de um povo que o distingue dos outros, é outro embuste ainda maior. Mas, fenómenos deste jaez existem em todo o mundo. E se nos der algum conforto identitário, há coisas piores. Desde que saibamos do que se trata e que traz água no bico.