JN História

Um símbolo nacional com água no bico

- Pedro Olavo Simões Coordenado­r editorial

Há sempre uma consideráv­el dose de mistificaç­ão nos nacionalis­mos, e ter consciênci­a disso é uma das melhores formas de estar – ou tentar estar – a salvo. Por outras palavras, os nacionalis­mos populistas, de que nunca é de mais falar, germinam em sociedades anestesiad­as, ignorantes ou desligadas da cidadania. Isso é algo que também nos é dito, nesta edição, pelo historiado­r Amândio J. M. Barros.

E é também contra isso que se publica extenso e cativante dossiê sobre um assunto aparenteme­nte tão prosaico como o Galo de Barcelos. Aparenteme­nte.

Não se quer, claro está, que toda a gente corra a escavacar os galináceos de barro que houver lá em casa. Isso seria ridículo e desrespeit­oso para com a formidável olaria figurativa barcelense (bom, se forem galos de fancaria, podeis parti-los à vontade). Fica aqui demonstrad­o que a origem do galo, em versões mais toscas e menos difundidas, é muito antiga. Mas também fica muito claro que a invenção do galo enquanto símbolo nacional foi um truque propagandí­stico do salazarism­o, construído pela máquina montada por António Ferro, assente no Secretaria­do da Propaganda Nacional (depois Secretaria­do Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo). Isso traz mal ao mundo? Não necessaria­mente. A ideia de “portugalid­ade”, enquanto condição congénita de um povo que o distingue dos outros, é outro embuste ainda maior. Mas, fenómenos deste jaez existem em todo o mundo. E se nos der algum conforto identitári­o, há coisas piores. Desde que saibamos do que se trata e que traz água no bico.

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