Armando Cortesão
1891-1977
Armando Frederico Zuzarte Cortesão, engenheiro agrónomo, administrador colonial, atleta olímpico... E historiador! E muito mais. Irmão mais novo de Jaime Cortesão, que havia sido médico antes de ser historiador, é a maior referência no estudo da cartografia histórica portuguesa, o que por si não é coisa, atendendo ao papel do país na descompartimentação do mundo e na sua perceção e representação. Mais do que o estudo e a interpretação dos antigos mapas portugueses, a ele se deve a descoberta da existência de muitos deles, num afã por bibliotecas e arquivos que ocupou os seus anos de exílio, quando o salazarismo se consolidava.
Republicano. Outra coisa não podia ser, se atendermos aos auspícios do dia em que nasceu, 31 de janeiro de 1891, justamente quando, no Porto, ocorreu a primeira tentativa de implantação da República em Portugal. Coincidências místicas à parte, a verdade é que veio ao mundo, em São João do Campo, concelho de Coimbra, no seio de uma família de tradições liberais e republicanas. A formação dele não foi um acaso a que o amor à história se sobrepôs, pois teve importante percurso profissional enquanto engenheiro agrónomo diplomado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. Antes disso, crescera revelando-se um desportista de eleição, o que fez com que integrasse, como atleta, a primeira delegação olímpica portuguesa, que se deslocou aos Jogos de Estocolmo, em 1912 (participação tristemente marcada pela morte do maratonista Francisco Lázaro): correu nas provas de 400 e 800 metros. Como nota Rui S. Andrade, autor da entrada sobre Armando Cortesão no Dicionário de Historiadores Portugueses (online), até na dissertação de licenciatura, sobre os estudos trematológicos e os melhoramentos das plantas, “denotará vincados traços de um patriotismo e sentir histórico que nortearão sistematicamente a sua vida”. Enquanto agrónomo, participou em missões nas américas e em África, tendo integrado ainda a missão geodésica a S. Tomé e Príncipe liderada por Gago Coutinho (1917-18). Depois, em Lisboa, ocupou várias posições na administração colonial, tendo sido afastado em 1932. Pelo meio, foi delegado português nos congressos coloniais de Londres (1921) e Bruxelas (1924), liderando ainda a participação nacional na Exposição Internacional de Antuérpia (1930).
Afastado dos cargos públicos em 1932, por razões políticas, dedicou-se a dar corpo às investigações históricas que já ia levando a cabo, sendo relevante notar que, naqueles tempos, a questão colonial não representava clivagem política, sendo vista como um assunto nacional no qual convergiam tendências dissonantes. O primeiro estudo – “Onde era o Cabo dos Mastros dos nossos antigos Navegadores” – já havia sido publicado em 1926, e em 1932 deu à estampa, na “Seara Nova”, um artigo dedicado a Fernão Vaz Dourado, cartógrafo quinhentista, e um trabalho intitulado “O Instituto” e dedicado a uma família de cartógrafos, também do século XVI, de apelido Homem. Em 1935, publicou “Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI”,
No primeiro exílio, em Espanha, tentava combater, no campo ideológico, o salazarismo, mas com a eclosão da Guerra Civil partiu para Inglaterra. Aí viveu os anos da Segunda Guerra Mundial, não se furtando ao esforço de guerra, que todos mobilizava, e servindo como voluntário, em Londres, de 1942 a 1945. Também nesse período fez importantes publicações no âmbito da cartografia, e no pós-guerra ocupou cargos de relevo na recém-criada UNESCO, em áreas ligadas à história da ciência e à cultura. Nesses tempos investigou sempre e publicou sempre, criando redes de contactos internacionais e recolhendo um prestígio que não teria obtido se, porventura, tivesse tido uma vida tranquila e permanecido em Portugal. Basta ver uma lista de academias e instituições de que fazia parte: Royal Geographical Society e Hakluyt Society de Londres, a Académie Internationale d’Histoire des Sciences, a National Geographical Society de Washington, a Real Academia de la História de Espanha, a Academia das Ciências de Lisboa e a Sociedade de Geografia de Lisboa (quando morreu, uma revista especializada internacional apontou-o como “a maior autoridade mundial em cartografia histórica”).
Já de volta a Portugal (desde 1952) e ensinando cartografia antiga na Universidade de Coimbra, Armando Cortesão publicou a partir de 1960, no âmbito do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, a sua obra mais notável, em co-autoria com Teixeira da Mota: os Portugaliae Monumenta Cartographica. Nos últimos anos de vida foi muito produtivo, e o seu prestígio internacional cresceu significativamente. Deixou incompleta a última grande obra, a “História da Cartografia Portuguesa”, faltando aquele que seria o terceiro e último volume.