AS CORTES CONSTITUINTES E A NOVA ORDEM JURÍDICO-SOCIAL
Estando em funções e antes de levar a bom termo o seu objetivo central – a aprovação da primeira Constituição política portuguesa –, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821-1822 legislaram afanosamente, avançando desde logo na construção de uma nova lógica jurídico-social, de rutura com o país de Antigo Regime a que a Revolução Liberal de agosto de 1820 se opôs
Às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821-1822 foi conferido o poder constituinte, do qual resultou a primeira Constituição política portuguesa de 1822 (cf. o artigo anterior desta série). Em simultâneo, estas assumiram também o poder legislativo ordinário, conforme se impunha por força do princípio meridiano da separação dos poderes – particularmente sagrado nos textos constitucionais da época (v. g. Constituição Francesa de 1791 e Constituição de Cádis de 1812) e oriundo dos escritos doutrinários de John Locke (Segundo Tratado sobre o Governo Civil, 1681) e Charles de Montesquieu (Do Espírito das Leis, 1748).
Desde o dia 24 de agosto de 1820 que este princípio emergiu do âmago da lide movida pelo constitucionalismo liberal
revolucionário contra o absolutismo do Antigo Regime, pelo que a titularidade do poder legislativo passou a pertencer ao órgão representativo da soberania popular (as Cortes), expropriando o Rei, que viria a ter um poder de veto meramente suspensivo na Constituição de 1822. Não surpreende, por isso, que o Vintismo ou triénio do primeiro constitucionalismo liberal português (1820-1823) tenha alicerçado a construção de uma nova ordem jurídico-social, não somente na Constituição, mas também na legislação adotada pelo parlamento.
A azáfama legislativa destas primeiras Cortes Constituintes portuguesas surge bem espelhada no elevado número de diplomas aprovados: desde a sua instalação oficial e primeiro dia de trabalhos, 26 de janeiro de 1821 – em que aprovaram o decreto que manteve a Junta Provisional do Governo Su
premo do Reino no exercício de suas funções até à nomeação e instalação do novo Governo –, até ao dia 2 de novembro de 1822 (dois dias antes da sua dissolução oficial) – em que aprovaram o decreto que, em observância do disposto no artigo 190.º da Constituição o número e organização das Relações, ordem do serviço nas mesmas, número, atribuições e ordenados dos seus empregados e o modo de julgar –, as Cortes Constituintes aprovaram, durante 21 meses e 8 dias de exercício efetivo de funções, um total de 262 diplomas legais.
Seria impossível e despropositado fazer aqui uma análise exaustiva desse ingente acervo legislativo da Constituinte de 1821-1822 – que não dispensa o cotejo com o que ficou positivado no texto interino das Bases da Constituição (9 de março de 1821) e no texto constitucional definitivo (23 de setembro de 1822), tema arredado do objeto deste trabalho – e das suas múltiplas implicações e repercussões nos vários quadrantes da sociedade daquela época. Por isso, as linhas que se seguem ficam limitadas a uma abordagem sintética de certas mutações sociopolíticas estruturantes, levadas a cabo pela via legislativa parlamentar. Nesta óbvia impossibilidade de condensar tudo num só trabalho, reservamos para o próximo número desta série a profunda reforma que, no ano de 1822, foi ajustada e posta à prova na inovação de um sistema político eleitoral para o País.
Em suma, no presente texto procuraremos dar ênfase a algumas das principais inovações legislativas vintistas, nomeadamente, quanto à garantia das liberdades individuais, à política económica, à reforma do regime senhorial, à extinção de privilégios corpora
tivistas, clericais e nobiliárquicos multisseculares, à melhoria das condições de vida dos cidadãos e à proteção dos animais. Destes parâmetros amplos e genéricos, para este artigo, resultaram as seguintes opções ilustrativas mais concretas: (i) a liberdade de imprensa, (ii) a extinção de privilégios multisseculares, (iii) a alteração dos impostos feudais agrícolas (forais), (iv) a reforma do poder judicial, (v) o movimento codificador e (vi) a tentativa fracassada de proibir as touradas. A concluir, deixamos uma breve descrição do procedimento legislativo que ficou consagrado no texto constitucional originário de 1822.
A liberdade de imprensa
Apesar de ter sido positivada pela lei de 4 de julho de 1821 – publicada no Diário do Governo de 26 de julho desse ano –, a liberdade de imprensa em Portugal começou no próprio dia 24 de agosto de 1820, com o big bang do jornalismo periódico e panfletário, à margem de qualquer lei. Tornando-se imperioso que “a cidade Restauradora tenha um periódico que lhe mostre todos os dias o rápido e feliz progresso da salvação pública”, fundaram-se no Porto os primeiros jornais liberais: o Diário Nacional (n.º 1, 26 de agosto de 1820), a Regeneração de Portugal (n.º 1, 18 de setembro de 1820), o Correio do Porto (n.º 1, 27 de setembro de 1820) e o Génio Constitucional (n.º 1, 2 de outubro de 1820) – os dois primeiros, com o aval, expresso em título, da recémnomeada Junta do Supremo Governo Provisório do Reino. Em Lisboa, os periódicos liberais começaram a surgir após a mudança de Governo, no dia 15 de setembro: o Português Constitucional (n.º 1, 22 de setembro de 1820), o Mnemosine Constitucional (n.º 1, 25 de setembro de 1820) e o Patriota (n.º 1, 27 de setembro de 1820). Coimbra também teve o seu periódico liberal: o semanário Manifesto da Razão sobre o estado presente das cousas de Portugal e partido que cada um deve tomar conforme os verdadeiros princípios da justiça e moral cristã, oferecido à Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, do qual foram publicados apenas dois números, a 30 de setembro (n.º 1) e 7 de outubro (n.º 2).
Concomitantemente, desde o dito dia 24 de agosto, o jornalismo panfletário também alimentou esta ânsia pela liberdade de imprensa, colocando em circulação um grande número de proclamações, manifestos, avisos, ordens, cartas, editais, etc. A imprensa panfletária e periódica foi decisiva na legitimação popular da Revolução liberal e foi um fator determinante para os primeiros passos do moderno constitucionalismo liberal em Portugal. Por isso, não surpreende que a liberdade de imprensa tenha sido, também, uma das primeiras preocupações das Cortes Constituintes.
Os seus princípios gerais começaram por ser estabelecidos nas Bases da Constituição de 9 de março (art.os 8.º, 9.º e 10.º) e depois desenvolvidos e determinados pela referida lei de 4 de julho de 1821, onde se reconheceu que “aquela liberdade é o apoio mais seguro do sistema constitucional”. Apesar de a data de promulgação cair na segunda metade de 1821, trata-se de uma das primeiras iniciativas legislativas do Congresso Constituinte, uma vez que o projeto de lei tinha sido apresentado em sessão de 5 de fevereiro de 1821 pelo deputado Francisco Soares Franco, segundo o qual, se a faculdade de pensar é inteiramente livre, “a escritura não é mais do que o pensamento publicado no papel”, devendo por isso ser “igualmente livre, contanto que não ofenda os direitos da sociedade ou dos outros homens por essa publicação”.
A lei da liberdade de imprensa foi estruturada da seguinte forma: Título I – Sobre a extensão da liberdade de imprensa; Título II - Dos abusos da liberdade de imprensa e das penas correspondentes; Título III – Do juízo competente para conhecer dos delitos cometidos por abuso da liberdade de imprensa; Título IV – Da ordem do processo nos juízos sobre os abusos da liberdade de imprensa; Título V – Do tribunal especial de proteção da liberdade de imprensa. O regulamento deste Tribunal Especial de Liberdade de Imprensa foi aprovado por decreto das Cortes de 21 de junho de 1822.
Merece ser salientado também o facto de nesta lei, pela primeira vez em Portugal, se consignar uma proteção legal à propriedade intelectual e direitos de autor (art.os 2.º e 3.º), que depois viria a ser constitucionalizada na Carta Constitucional de 1826 (art.º 145.º § 24).
Tal como no ano de 1820, passados quase dois séculos, a liberdade de imprensa continua a preservar a sua eminente dignidade jusconstitucional – no seio do capítulo de “direitos, liberdades e garantias” da Constituição da República Portuguesa de 1976 –, continuando, por isso, a desempenhar a função indeclinável de sentinela do Estado constitucional democrático. Embora Portugal hoje seja uma república, mutatis mutandis, a seguinte asserção escrita em 1820 mantém toda a atualidade: “perguntar se a imprensa deve ser livre ou escrava é o mesmo que perguntar, por outras palavras, se a monarquia deve ser constitucional ou absoluta”.
Extinção de privilégios multiseculares
Outra bandeira dos regeneradores políticos de 1820 era a extinção de privilégios corporativistas, clericais e nobiliárquicos instituídos havia muitos séculos – pressuposto fundamental para a conquista da cidadania em geral, da igualdade de todos os cidadãos perante a lei e de uma ordem económica baseada no mercado. Na impossibilidade de fazer aqui um merecido desenvolvimento desta temática, optamos por uma breve referência à extinção das coutadas de caça e à célebre pugna para coartar os privilégios da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.
Por decreto das Cortes de 12 de fevereiro de 1821 procedeu-se à extinção das coutadas de caça abertas – ressalvando-se as que estivessem muradas –, considerando-se que acarretavam vários males à “agricultura, aos direitos de propriedade dos vizinhos delas e à tranquilidade e segurança deles”. No entanto, restaurado o antigo regime, logo o alvará de 5 de junho de 1824, da lavra de D. João VI, veio derrogar esta medida, determinando que as coutadas regressassem ao mesmo pé e estado em que se achavam antes das inovações das Cortes vintistas, “enquanto a respeito destas não disponho o que me parecer mais útil e conve
niente ao bem dos meus povos; não deve, porém, compreender-se neste artigo algum terreno que em virtude das mencionadas inovações se achar presentemente cultivado e semeado”.
A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro foi criada por alvará do Marquês de Pombal de 10 de setembro de 1756, sendo dotada de um grande conjunto de privilégios exclusivos – nomeadamente o do “vinho de ramo” na cidade do Porto –, o que naturalmente chocava com os princípios liberais da economia. A ameaça da sua extinção surgiu logo no início da Revolução. No dia 31 de agosto de 1820, constando que “pessoas mal-intencionadas têm espalhado vozes de que a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro vai ser extinta”, a Junta Provisional do Governo mandou imprimir um edital com a garantia de que a Junta “não só não tem em vista um projeto tão impolítico e tão contrário aos interesses de Portugal, mas antes procurará sempre animar, sustentar e fazer que semelhante estabelecimento prospere quanto possível, ministrando-lhe todos os meios que mais acertados lhe parecerem na extensão da autoridade que lhe foi conferida”.
A Companhia manteve-se, mas não passou o triénio constitucional incólume. As Cortes Constituintes vieram de imediato colocar em causa a extensão da sua autoridade e passaram a cercear os seus privilégios: no dia 18 de março de 1821, consideraram abusivo o tributo de dois réis por cada quartilho de vinho atabernado e de duzentos réis por pipa que a Companhia cobrava a algumas terras que estavam fora dos limites da demarcação das vinhas do Alto Douro – concelhos de S. Martinho de Mouros, Resende, Aregos, Cinfães e S. Cristóvão, todos da comarca de Lamego, e Ferreiros de Tendais, da comarca de Barcelos –, isentando-as de tal tributo; no dia 22 de março desse ano, extinguiram o privilégio exclusivo da aguardente outorgado à Companhia do Douro pelo alvará de 16 de dezembro de 1760, permitindo a qualquer pessoa – sem dependência da mencionada companhia – destilar, estabelecer fábricas e transportar e vender aguardentes em qualquer parte do Reino.
Houve, no entanto, outras decisões parlamentares favoráveis à Companhia. Por exemplo, apesar de as Cortes considerarem que “só a livre concorrência de compradores e vendedores pode produzir a abundância e regular o preço dos géneros” e de, nesse sentido, por decreto de 5 de julho de 1821, terem abolido as taxas e condenações das almotaçarias, isentaram desta determinação legal “as taxas dos vinhos do Alto Douro no distrito de embarque e ramo”.
Para pôr termo a esta constante demanda com a Companhia, no segundo ano da sua legislatura, a 17 de maio de 1822, as Cortes aprovaram uma lei que decretava a sua indispensável conservação, mantendo-lhe a “linha exterior de demarcação”, mas fazendo-lhe extensas e necessárias reformas, tendo em vista, sobretudo, as liberdades de concorrência e de circulação de produtos no mercado interno.
O final abrupto da primeira experiência constitucional liberal veio, sem surpresa, restituir os privilégios à Companhia pombalina. As prerrogativas que lhe tinham sido retiradas pelas Cortes, entretanto dissolvidas, foram restauradas pela carta de lei de 21 de agosto de 1823, outorgada por D. João VI, com as seguintes modificações: “1.º que a contribuição para as estradas fique abolida naqueles vinhos que a companhia, antes da Revolução, não mandava provar e qualificar; 2.º que fique também abolido o exclusivo das tabernas e do comércio para o Brasil; 3.º que a jurisdição do conservador da Companhia fique limitada aos negócios da mesma Companhia e foro da causa, excluindo o privilégio do foro pessoal de que gozavam os oficiais, empregados e quaisquer outras pessoas da sua dependência”.
Os forais e os “direitos banais”
Neste premente desígnio de reformar a estrutura senhorial do Antigo Regime e, particularmente, de ampliar a produção do setor agrícola, as Cortes
Constituintes resolveram diminuir e uniformizar a cobrança dos tributos que eram exigidos pelos pergaminhos foralengos, “dados às diversas terras do Reino nos primeiros tempos da monarquia”.
Os forais portugueses dos primeiros tempos da monarquia – ou mesmo anteriores à fundação desta, pois os primeiros forais em Portugal datam de meados do século XI – tinham sido reformados por D. Manuel I, no início do século XVI (1500-1520), dando origem aos chamados “forais novos”. A reforma manuelina transformou os forais novos em meras “tabelas tributárias”, espoliando-os das primordiais funções jurídicas, políticas, de organização territorial e regulação das relações entre a entidade outorgante – que na grande maioria das vezes era o rei, mas também poderia ser um senhorio laico ou eclesiástico – e os respetivos moradores da terra. De modo que, volvidos três séculos dessa reforma (1520-1820), entendeu-se que os forais em vigor oprimiam “excessivamente a agricultura” e, por isso, se tornava “indispensável diminuir, ao menos, este gravame quanto seja possível e prescrever regras certas e claras que substituam a confusão e quase infinita variedade daqueles antigos títulos”.
O problema já vinha de trás e, já a 17 de outubro de 1812, uma portaria dos governadores do Reino tinha criado uma Comissão do Exame dos Forais e
Melhoramento da Agricultura. Neste andamento, as Cortes Constituintes de 1821-1822 vieram introduzir imensas alterações e adaptações dos tributos feudais às luzes da época, mas os forais só foram definitivamente extintos passadas duas décadas da criação da referida Comissão, por decreto de 13 de agosto de 1832, no restabelecimento da monarquia constitucional depois do interregno miguelista.
Sem embargo da sua manutenção, por decreto de 3 de junho de 1822, o Magno Congresso vintista implementou profundas alterações no regime vigente dos forais: (i) reduzindo prestações para metade, v. g., as rações ou quotas incertas, os foros e pensões certas e as jugadas; (ii) extinguindo tributos como, por exemplo, as lutuosas e as prestações certas procedidas dos forais e pagas para além das rações, pensões e foros, bem como a obrigação de pagar qualquer prestação pelo simples ato de semear ou pela qualidade de proprietário em certo lugar; (iii) limitando os laudémios à quarentena; (iv) expurgando o pagamento, ainda que imemorial, de direitos cobrados na falta ou além do foral; (v) isentando dos tributos foralengos as terras que não estivessem dentro da demarcação do foral; (vi) considerando que os baldios e maninhos eram verdadeira propriedade dos povos, passando a sua administração para as respetivas Câmaras Municipais; (vii) extinguindo a prática de cobrar as pensões e foros por cabecéis e pessoeiros; (viii) admitindo a hipótese de se remirem pensões. O diploma legal estabelece as regras procedimentais a seguir para efeitos de redução e remissão dos referidos tributos. Ficaram ressalvados de tais disposições legais os foros, pensões e rações pagas a senhorios particulares por posse imemorial, enfiteuse ou qualquer outro contrato ou título particular, bem como as lezírias e outras terras de que a Nação era proprietária e os lavradores somente caseiros ou rendeiros.
O decreto de 20 de março de 1821 já tinha extinguido os chamados direitos banais, que formavam “privilégios exclusivos contrários à liberdade dos cidadãos e ao aumento da agricultura e indústria destes Reinos”, tais como os serviços pessoais feitos pela própria pessoa ou com animais; os di
reitos dos fornos, moinhos e lagares e os privilégios exclusivos de boticas e estalagens; o privilégio de relego; o privilégio pelo qual “nenhuma pessoa pode vender outros frutos ou líquidos senão os produzidos nos seus próprios termos, enquanto os houver”. Extinguiram-se também “todas as obrigações e prestações consistentes em frutos, dinheiro, aves ou curazis impostas aos habitantes de qualquer povoação ou distrito a favor de algum senhorio, pelo simples facto de viverem naquela terra, por terem nela casa ou eira, por casarem, por irem buscar água às fontes públicas ou a elas levarem seus gados, por acenderem fogo, por terem animais ou por outros quaisquer títulos e denominações de igual ou semelhante título; e bem assim quaisquer privilégios graciosos que obstem à livre circulação dos rios caudais e navegáveis”.
Dois anos volvidos, porém, com a reação absolutista, o alvará de 5 de junho de 1824 veio revogar as medidas legislativas feitas a este propósito no período vintista, determinando que “ficam os mesmos forais restituídos e conservados interinamente no seu estado antecedente às inovações despóticas e desorganizadoras que a este respeito fizeram as sobreditas Cortes; quanto, porém, aos direitos a que chamaram banais, deverão considerar-se interinamente suprimidos, enquanto a respeito destes não der as providências que me parecerem mais justas”.
Reforma do poder judicial
A necessidade de autonomizar e reformar o poder judicial foi um fator decisivo na génese da Revolução liberal. Nas palavras de Borges Carneiro, no Antigo Regime “inventou-se uma infinidade de juízos privativos e foros privilegiados, outras tantas infrações do foro natural do domicílio, e obrigou-se os pacíficos habitadores das províncias ir responder nos ditos juízos, onde facilmente são oprimidos pela preponderância das pessoas privilegiadas” (Portugal Regenerado, p. 34). Por isso, logo no dia 17 de maio de 1821 extinguiram-se os foros privativos concedidos em favor das casas nobres ou de outras quaisquer pessoas particulares, por serem incompatíveis com as Bases da Constituição em vigor. As jurisdições extintas revertiam para os juízes competentes em razão da matéria, passando também para eles “imediatamente os processos findos e pendentes”.
De forma mais enfática e abrangente, no dia 9 de julho de 1822, as Cortes, “querendo fazer efetiva a extinção dos privilégios pessoais de foro, sancionada no artigo 11.º das Bases da Constituição”, decretaram extintos todo os privilégios de foro e todos os juízos privativos concedidos a pessoas, corporações, classes ou terras com jurisdição contenciosa, civil ou criminal, exceto aqueles que constassem expressamente estipulados em tratados ou contratos da Fazenda Nacional, mas apenas enquanto durassem “os atuais contratos e tratados”.
Na abolição de jurisdições seculares, foi de um enorme impacto a extinção do Tribunal do Santo Ofício ou Tribunal da Inquisição, por decreto de 31 de março de 1821. Considerando que este tribunal era “incompatível com as Bases da Constituição”, as Cortes aboliram no Reino de Portugal “o conselho geral do Santo Ofício, as inquisições, os juízos do fisco e todas as suas dependências”, restituindo à jurisdição episcopal as causas espirituais e meramente eclesiásticas, bem como os processos pendentes, e reservando as outras causas para a jurisdição secular, a dirimir segundo as leis em vigor. Os bens e rendimentos passaram para a administração do Tesouro Nacional, e os livros, manuscritos, processos findos e tudo o mais que existisse nos cartórios do mencionado Tribunal e Inquisições foram mandados remeter para a Biblioteca Pública de Lisboa.
No dia 17 de maio de 1821 ainda foram aprovados mais dois decretos sobre a reforma judiciária: um com alterações ao nível do processo, procurando alcançar uma justiça mais célere e menos onerosa; e outro que aboliu “o
estilo das tenções em latim praticado nas Relações deste Reino, devendo aquelas ser escritas em língua portuguesa”. Por decreto de 4 de setembro de 1821 foram abolidos os imensos feriados judiciais praticados pelas Relações de Lisboa e do Porto, “excetuadas somente as férias ordinárias, os domingos, e dias santos de guarda, os aniversários de suas majestades e os faustos dias de 24 de agosto, 15 de setembro, 1.º de outubro, 26 de janeiro, 26 de fevereiro e 4 de julho, em comemoração dos gloriosos acontecimentos que neles tiveram lugar”. O decreto de 10 de novembro desse ano aboliu as devassas, por considerar que “são tão opressivas aos povos, como contrárias aos sãos princípios de jurisprudência criminal”.
Um dos princípios basilares do constitucionalismo liberal, estritamente ligado ao princípio da separação dos poderes e ao princípio do Estado de Direito, foi o da independência dos tribunais. Assumido como pressuposto da própria ideia de justiça e garante dos direitos dos cidadãos perante os poderes públicos, acabou por ser sagrado na Constituição de 1822 com a seguinte redação: “o poder judicial pertence exclusivamente aos Juízes. Nem as Cortes nem o rei o poderão exercitar em caso algum” (art.º 176º).
Mas essa independência não implicava necessariamente arbitrariedade e irresponsabilidade pela tomada de decisões. Por portaria da Regência, de 14 de março de 1821, mandou-se executar uma determinação das Cortes Constituintes para se “proceder com a maior energia contra quaisquer tribunais, magistrados ou autoridades que se acharem omissos no cumprimento das ordens que lhes são dirigidas, a fim de que tenham a mais pronta e ativa execução, sem dependência de serem reiteradas”. A este propósito, o controlo do poder judicial, oriundo do direito medieval português, vulgarmente identificado como juízo de residência, ainda se manteve no texto constitucional de 1822 (art. 197.º). Neste também se estabeleceu uma cláusula expressa de responsabilidade dos juízes, submetendo-os à eventual proposição de uma ação popular em caso de crime de suborno, peita ou conluio (art.º 196.º).
Por decreto de 19 de dezembro de 1821, para melhor se poder aferir a responsabilidade dos juízes quando jul
coletivamente, o Magno Congresso determinou que “nos acórdãos das Relações e sentenças de quaisquer juízes que votarem coletivamente poderão os mesmos juízes, que assinarem por vencidos, declarar essa circunstância; e não o fazendo ficam responsáveis pelo julgado como se fossem do voto contrário”. Esta deve ser a origem, em Portugal, da praxis de fundamentar o voto vencido, que hoje é vulgarmente seguida em qualquer tribunal coletivo.
Ao nível da organização judiciária, a Constituição de 1822 impunha que se fundasse um Supremo Tribunal de Justiça em Lisboa (art. 191.º) e outro, com idênticas atribuições, no Brasil, “no lugar onde residir a Regência daquele reino” (art. 193.º). O último ato legislativo das Cortes Constituintes vintistas, em observância do art. 190.º da referida Constituição, estabeleceu a organização dos tribunais de segunda instância ou relações e foi aprovado em sessão de 2 de novembro de 1822, dois dias antes da dissolução das Cortes. Foram criadas cinco relações: Lisboa, Porto, Mirandela, Viseu e Beja.
Movimento codificador da ordem jurídica
A reforma judiciária pretendida ficaria sempre incompleta sem a reforma legislativa e a respetiva codificação, substituindo a variedade das fontes de direito no antigo regime (direito consuetudinário, direito legislado, direito judiciário) e estabelecendo uma verdadeira ordem jurídica nacional. Na sessão de 6 de julho de 1821, o Congresso Constituinte iniciou o movimento codificador moderno, criando duas comissões: uma para a redação do Código Criminal e outra do Código Civil, ficando cada uma delas encarregada de trabalhar na redação do Código do Processo respetivo. Em simultâneo, decidiu-se que “o senhor Ferreira Borges continuasse na redação do Código de Comércio”, que viria a ser o primeiro código português a ser publicado, mas mais de uma década depois, tendo sido aprovado por decreto de D. Pedro IV, em nome da rainha D. Maria, de 18 de setembro de 1833, depois de restaurada a monarquia constitucional.
Por decreto de 13 de setembro de 1822, as Cortes Constituintes resolveram atribuir um prémio para incentivar os jurisconsultos portugueses a apresentar projetos para a formação de um novo Código Civil. Os projetos deveriam ser apresentados até ao dia de abertura da futura segunda legislatura das Cortes ordinárias, 1 de dezembro de 1824; deviam apresentar-se estruturados em duas partes distintas gassem
uma para o Código Civil e a outra para o Código do Processo Civil, “conformando-se com a atual Constituição Política da Monarquia e não se desviando do direito derivado dos costumes de longo tempo observados” – e seriam submetidos a uma comissão externa composta por cinco “jurisconsultos dos mais acreditados na teoria e prática da jurisprudência” que, no prazo de 60 dias, remeteriam o seu parecer em consulta às Cortes. As quais submeteriam a dita consulta a uma comissão do seu seio que, no prazo de 30 dias, exporia às Cortes qual o projeto merecedor do prémio e quais os dois seguintes a ter a honra de accessit; após debate parlamentar do parecer da comissão, as Cortes adjudicariam o prémio ao projeto merecedor e o accessit aos dois seguintes.
Seguir-se-ia um apertado processo público de escrutínio e revisão: (i) as Cortes mandariam imprimir a obra que tivesse merecido o prémio e as duas contempladas com o accessit, a consulta da comissão externa e o parecer da comissão parlamentar interna; (ii) o projeto premiado seria remetido ao seu autor, dando-lhe prazo de três meses para o emendar e complementar; (iii) ao mesmo tempo, seria remetido à Universidade de Coimbra, à Academia das Ciências de Lisboa, às Relações do Reino, aos advogados destas últimas e aos sábios da Nação para que enviassem às Cortes, também no limite de três meses, “as observações que lhes ocorrerem, para serem presentes no ato de discussão”; (iv) a deputação permanente providenciaria para, decorrido o prazo de exame, se convocar uma sessão extraordinária das Cortes, “a fim de se discutir o projeto emendado”.
Finalmente, ao autor do projeto vencedor seria adjudicado um prémio fixado na quantia de trinta mil cruzados (12 contos de réis), pagos no curso de vinte anos, em pensão anual de 600$000 réis, e uma medalha de ouro no valor de 50$000 réis, “a qual terá de um lado a imagem da Lusitânia, coroando com uma coroa de louro e rama de oliveira (…) cuja efígie será ali gravada e no reverso a seguinte legenda – Ao Autor do Projeto do Código Civil Português a Pátria Agradecida”.
Mas o regime constitucional de 1820 caiu antes do prazo em que deviam ser apresentados os projetos para o Código Civil. A revolta anticonstitucional de 1823 não permitiu que as Cortes ordinárias concluíssem a primeira legislatura e não houve uma segunda (as Cortes só voltariam a reunir em 1826, já no âmbito da Carta Constitucional). De resto, o primeiro Código Civil português só viria a ser aprovado quase meio século depois da iniciativa parlamentar vintista, em 1867. Antes deste código, ainda foram aprovados o Código Comercial de 1833 (como referido supra), o Código Administrativo de 1836 e o Código Penal de 1852.
O projeto de proibição das touradas Pela atualidade e relevância do tema, em memória do deputado proponente e daqueles que apoiaram e enalteceram a sua iniciativa, chamamos à colação o primeiro esforço do parlamento para se acabar com a prática tauromáquica em Portugal. Na sessão do dia 4 de agosto de 1820, leu-se pela segunda vez um projeto para que se proibissem as touradas, apresentado às Cortes por Manuel Borges Carneiro (deputado pela Estremadura). São curiosos os argumentos esgrimidos em 1820, que de certa forma ainda se refletem na atualidade.
A favor da sua iniciativa, o deputado Manuel Borges Carneiro começou por defender que a natureza criou os animais “para que o homem se pudesse servir deles e, quando muito, que servissem para seu sustento, mas não foi de certo para que os martirizasse, os enchesse de flechas e se divertisse com eles, destruindo-os pouco a pouco por meio do fogo e do ferro”; que as touradas eram um espetáculo “contrário as luzes do século e à natureza humana”; que, no seu entendimento, era “horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas e queimando-lhe estas com fogo, tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização”. Outro apoiante, o deputado António Lobo de Barbosa Teixeira Girão (Trásos-Montes) asseverou que ele não via nas touradas “arte alguma”, antes pelo contrário, via “tolice e traição, crueldade e cobardia: tolice em expor a vida sem fim útil, sem necessidade; traição em inutilizar aos touros as armas que lhes deu a natureza; crueldade e cobardia em atormentá-los depois”.
Entre aqueles que defenderam a manutenção das touradas, mesmo admitindo a barbaridade desta prática consuetudinária, o deputado Miranda (Trás-os-Montes) argumentou que “este espetáculo agrada ao povo desta capital”; o deputado Francisco de Lemos Bettencourt (Estremadura) enveredou pelo argumento comparativo com a caça, ironizando que, “sendo todos os animais e aves entes sensitivos, não deviam ser objeto de divertimento do homem; e não devia o caçador matar a ave inocente”; noutra fala, o deputado Bettencourt ainda alegou que a corrida de touros “além de conservar valor, intrepidez e agilidade dos portugueses, qualidades inerentes a esta Nação, é de mais muito proveitoso à lavoura do Ribatejo e Alentejo”; para o deputado José Manuel Afonso Freire (Trás-os-Montes) tratava-se de “um mal, mas é um mal necessário”.
O deputado Lemos Bettencourt, apesar de defender que se mantivesse o costume, numa perspetiva mais moderada chegou a propor que “se proíba o matarem-se à espada os touros na praça, pois na verdade me parece que não deve haver touros de morte” – o que mais tarde viria ser estabelecido em 1921 e depois em 1928.
Uma ala de deputados entendeu que ainda não era o tempo oportuno para tal decisão, mas que o dia viria em que tal costume seria banido da sociedade portuguesa. Por exemplo, o deputado Manuel de Serpa Machado (Beira) entendia o seguinte: “vamos por ora preparando os costumes, que lá virá tempo em que ele caia por si mesmo”; o deputado Manuel Fernandes Tomás (Beira) afirmou que “para extinguir-se aqui este espetáculo é preciso que os costumes se vão preparando, querer de repente reduzir uma Nação a Nação de filósofos não me parece correto nem sensato, este costume há de acabar entre nós”.
Posto a votação, o projeto apresentado por Borges Carneiro foi rejeitado, mas com uma expressiva votação a favor da proibição das touradas em Portugal: 30 votos a favor, 43 contra. Na sua intervenção, o deputado Borges Carneiro proferiu uma expressão enigmática, carregada de segundo sentido: “cum brutis non est luctandum” (com brutos não se deve lutar, i. e. não vale a pena discutir com imbecis e insolentes).
Procedimento legislativo
O Magno Congresso vintista, primeiro, fez as leis e só depois determinou quais as formalidades requeridas para a sua feitura. Só após tão copiosa legislação é que o procedimento legislativo para o primeiro período de constitucionalismo liberal foi estabelecido no texto da própria Constituição de 1822. E segundo a crítica coeva, “nem se poderá dizer que a urgência das circunstâncias exigia este prepóstero modo de obrar, porque nada era mais urgente do que declarar quem era o legislador e com que formalidades se deviam fazer e promulgar as leis para serem valiosas; e a mais essencial diferença entre os governos arbitrários e os governos constitucionais é que, nos primeiros, quem governa não se cinge senão à sua vontade e, nos segundos, tudo se faz conforme as regras gerais invariavelmente observadas”.
Vejamos uma súmula dos trâmites impostos pelo texto constitucional de 1822. A iniciativa legislativa estava reservada aos deputados, que a exerciam através de projetos de lei. No entanto, os secretários de Estado dispunham de um poder de iniciativa indireta, podendo apresentar propostas que, depois de examinadas por uma comissão das Cortes, poderiam ser convertidas em projetos de lei (art. 105.º).
Salvo procedimento urgente, declarado por dois terços dos deputados presentes (art. 107.º), o projeto de lei tinha de ser lido duas vezes em plenário, com intervalo de oito dias, antes de ser admitido a discussão, cuja data teria que ser fixada nos oito dias seguintes à segunda leitura do referido projeto de lei. Previamente à discussão eram impressos e distribuídos pelos deputados os exemplares necessários. Depois de debatido, se as Cortes entendessem submetê-lo a votação, o projeto de lei carecia de uma maioria absoluta de votos para ser aprovado e, de seguida, ser reduzido a lei (art. 106.º). A lei era lida nas Cortes e assinada pelo presidente e dois secretários para ser apresentada ao rei, em duplicado, por uma deputação de cinco membros, nomeados pelo presidente. Se o rei estivesse fora da capital, a lei era-lhe apresentada pelo secretário de Estado da respetiva repartição (art. 109.º).
A lei era enviada ao rei para sanção, que a poderia suspender, ouvido o Conselho de Estado. No entanto, sendo a recusa meramente suspensiva, se as Cortes entendessem que, sem embargo das razões apresentadas pelo rei, a lei devia passar como estava, apresentando-a de novo ao rei, este ficava obrigado a dar-lhe logo sanção (art. 110.º). O rei, salvo os casos das leis provisórias feitas em casos urgentes, deveria dar ou suspender a sanção no prazo de um mês (art. 111.º). Para prevenir um eventual “veto régio de gaveta” e evidenciar a hegemonia do poder legislativo em relação ao poder régio, o poder constituinte vintista determinou que se o rei “não der sanção à lei, ficará entendido que a deu e a lei se publicará. Se recusar assiná-la, as Cortes a mandarão publicar em nome do rei, devendo ser assinada pela pessoa em quem recair o poder executivo” (art. 114.º), assim prevalecendo a soberania legislativa do parlamento. Seguia-se a respetiva publicação da lei, impondose que um original fosse guardado na Torre do Tombo e outro no Arquivo das Cortes (art. 113.º).
Uma revolução inacabada, mas um legado duradouro
Os objetivos fundamentais da revolução liberal eram a instauração de um regime representativo, a limitação do poder político (mediante a separação de poderes e a submissão do governo à lei), a garantia da liberdade pessoal e da propriedade, o estabelecimento de uma ordem económica baseada na liberdade de trabalho, de profissão e de empresa.
Mas, se a própria Constituição e as leis das Cortes Constituintes asseguraram no essencial vários desses objetivos – incluindo a liberdade pessoal (pela proibição de prisão arbitrária), as liberdades civis (pela garantia da liberdade de imprensa, etc.), e o direito de propriedade (pela proibição da expropriação sem indemnização) –, outro tanto não se pode dizer quanto ao estabelecimento de ordem económica liberal. Na verdade, as corporações de ofícios, que vinham desde Idade Média, só viriam a ser extintas em 1832, depois da restauração do constitucionalismo monárquico; a “desamortização” da terra (grande parte dela nas mãos da coroa, das ordens religiosas e de outras instituições perpétuas) também só foi encetada depois da guerra civil; permaneceram também numerosos exclusivos e direitos de passagem, que impediam o estabelecimento da concorrência e de um mercado interno; e as formas tradicionais de “propriedade imperfeita” viram a perdurar durante muito mais tempo, como a enfiteuse e a colonia na Madeira, só extintas pela Constituição de 1976!
Acresce que o primeiro constitucionalismo português foi demasiado efémero, não podendo concluir a sua obra, tendo terminado com a revolta anticonstitucional da Vilafrancada, liderada por D. Miguel, logo em maio de 1823, que desencadeou a contrarrevolução antiliberal. Por decreto de 19 de junho desse ano, D. João VI criou uma Junta para fazer a revisão das leis “promulgadas desde a instalação das arbitrárias e despóticas Cortes [sic!] até que se dissolveram” e se determinar quais deveriam ser revogadas e quais deveriam ser mantidas em vigor. A composição desta Junta foi a seguinte: D. Miguel António de Melo (presidente), João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães, José Ribeiro Saraiva, José de Melo Freire, José Vaz Correia de Seabra, Fernando Luís Pereira de Sousa Barradas e José Acúrsio das Neves.
Concluído o trabalho para que tinha sido designada, a referida Junta foi dissolvida em 5 de junho de 1824. Nesse mesmo dia, o rei promulgou um alvará que, com escassas ressalvas, declarou “nulas e de nenhum efeito todas as inovações, decretos e leis emanadas das referidas Cortes, como destituídas de toda a autoridade, poder soberano e legislativo”; e mandou que essas leis “em tempo nenhum possam ser citadas e alegadas em juízo e fora dele, nem confundidas e incorporadas em coleção alguma de leis derivadas da legítima autoridade dos senhores reis destes reinos”.
Mas a história política e constitucional de Portugal haveria de vindicar o legado do nosso primeiro constitucionalismo nos dois séculos entretanto decorridos, tanto nos sucessivos avatares do constitucionalismo liberal (Carta Constitucional de 1826, Constituição de 1838 e Constituição de 1911) como no constitucionalismo liberaldemocrático da Constituição de 1976.