A Lua e o espaço vistos da Casa Branca (2)
Na edição anterior, visitámos a história, visões e impactos dos presidentes dos EUA na filosofia e objectivos da NASA, em particular no que diz respeito à corrida dos anos 60 e 70 até à Lua. Vimos a resposta dos EUA ao lançamento do soviético Sputnik através da criação da própria NASA (1959), com Eisenhower; dissecámos o que significava a corrida espacial para John F. Kennedy; e apresentámos o presidente americano que mais carinho, respeito e admiração sempre teve para com a natureza heróica e científica da exploração espacial, que, ironicamente, já não estava em funções aquando da glória da Apollo 11. A honra presidencial da pegada lunar coube a Richard Nixon. Conta-se que, nesse momento, Nixon tinha a seu lado o astronauta Frank Borman e o seu chefe de gabinete, Robert Haldeman, e quando Armstrong pisou a Lua terá batido palmas ao som de um “hooray”! Um comedimento não compatível com o feito, alguns pensarão; em boa verdade, Nixon sempre teve uma ideia muito precisa sobre tudo o que estava a acontecer a mais de 300 mil quilómetros da Terra e, sobretudo, o seu impacto no nosso planeta. O polémico presidente é, talvez, o que mais se aproxima de Kennedy em termos de noção política do que acontecia no Mar da Traquilidade.
Sempre viu o astronauta como supremo embaixador-herói do “american way of life”.
Para Nixon, o mais relevante não era o programa espacial, mas a capacidade de os EUA produzirem novos heróis profundamente inspiradores para o mundo.
Perante tal visão tão pessoal e aparentemente positiva – realçada pelo sucesso mundial da Apollo 11 – a NASA sentiu-se confiante para apresentar a Nixon o que seria um ambicioso roteiro pós-Lua. Tal passava por várias estações espaciais, por uma base permanente na Lua e pela perspetiva de uma missão tripulada a Marte nos anos 80. A resposta de Nixon, fria e surpreendente, representa uma filosofia ainda hoje muito enraizada na NASA: “Devemos pensar em [actividades espaciais] como parte de um processo contínuo e não como uma série de saltos separados, cada um exigindo uma enorme concentração de energia. As despesas espaciais devem ocupar o devido lugar dentro de um rigoroso sistema de prioridades nacionais”. Nixon clarificou que a NASA não podia nem devia aspirar ao que muitos pensavam o que seria a exploração espacial pósApolo: uma presença contínua, crescente e realista do Homem no Cosmos! Com ele, o orçamento da NASA caiu para menos de 1% do PIB, e o sonho foi definitivamente congelado. Foram canceladas as últimas três missões, a linha de produção
do poderoso foguetão Saturn V foi fechada e o próprio voo tripulado foi colocado em causa. Porém, Nixon não é a figura apocalíptica do programa espacial americano. Foi ele quem acolheu e financiou o projeto do vaivém espacial. Teria de ser um veículo reutilizável, tecnologicamente complexo. Também este projeto tem algo de político, já que Nixon queria assegurar postos de trabalho no sector aeroespacial na Califórnia. A obra ocupou as três décadas seguintes da NASA, e, em 1974, Nixon abandonou “à pressa” a Casa Branca. Seguiu-se Gerald Ford, que revelou pouco interesse pelas política e atividade espaciais, pelo que a NASA teve rédea mais larga por parte da Casa Branca. É com a bênção de Ford (mas não a ideia original) que EUA e URSS vivem um momento mais do que simbólico de união espacial, com o encontro/acoplagem orbital das cápsulas americana e soviética, respetivamente Apollo e Soyuz, em julho de 1975. É também nesse mandato que se dá a primeira aterragem bem sucedida dos EUA em Marte (curiosamente, em 20 de julho, mas de 1976), a missão Viking 1. E que são lançadas as bases financeiras para dois projetos icónicos concretizados décadas depois: o telescópio espacial Hubble e a missão Galileu a Júpiter.
De seguida (1977-1981), surge um presidente que, apesar da boa reputação ao olhos dos americanos e da formação científica (engenharia), será o que menos interesse demonstrou pelos caminhos espaciais: Jimmy Carter. De facto, e excetuando
JFK, os presidentes democratas não têm um registo de especial apreço e sentido de visão para a NASA. Do ponto de vista orçamental e de liderança, os republicanos acabam por ter uma presença mais visível, nem sempre por motivos civis... Carter centra a sua ação, sobretudo, na concretização do vaivém espacial proposto por Nixon. Irado pelos atrasos e derrapagens orçamentais associados à construção de quatro vaivéns, chegou a querer cancelar o projeto (1979), mas a NASA respondeu de forma pragmática, notando que o projeto já estava muito avançado, que o investimento daria frutos em breve e que o cancelamento seria um terrível desperdício de tempo e dinheiro. Assim, em abril de 1981, o vaivém Columbia percorreu os céus em triunfo e ficou em órbita terrestre durante dois dias. No fim do mandato, Carter viveu um último fascínio pela exploração do Sistema Solar, seduzido por um dotado e crescentemente famoso astrónomo, com quem se reuniu para falar da exploração “a sério” de Marte. Esse astrónomo era Carl Sagan. Deliciado com a ideia, Carter acabou, todavia, por perder a corrida presidencial de 1980. De novo, um republicano, Ronald Reagan, ocuparia a Casa Branca. Durante oito anos, Reagan falou muito sobre a NASA e o espaço, mas o orçamento continuou muito abaixo dos sonhos que todos pensavam ao alcance da agência espacial. Apesar de tudo, foi o lado mais humano de Reagan que soube gerir emocionalmente a tragédia do vaivém Challenger, em 1986, e resistir à tentação de cancelar os futuros voos, apesar de ter suspendido novos lançamentos até bem perto do fim do mandato. Reagan tinha um visão à Nixon do papel do herói astronauta, figura reabilitada e exponenciada pelo astronauta do vaivém, não “apenas” o astronauta que vai à Lua. Mesmo sem lhe dar, inicialmente, a essencial base financeira, é Reagan quem pensa primeiro na construção de uma Estação Espacial, aberta a parceiros internacionais. E discute os esboços de tal parceria com o próprio Mikail Gorbachev. Apesar destes ramos de oliveira espaciais, Reagan ficou também conhecido por ter considerado seriamente um louco programa de militarização do espaço – saído do Pentágono e conhecido informalmente como “Star Wars” e oficialmente como “Strategic Defense Initiative” –, tendo por princípio a colocação em órbita de armas capazes de impedir um ataque nuclear contra os EUA. Porém, as barreiras técnicas e financeiras condenaram o programa. George H. W. Bush (1989-1993), Bill Clinton (19932001), George W. Bush (2001-2009), Barack Obama (2009-2017) e Donald Trump são os senhores com que, na próxima edição, encerraremos este tríptico.