Viagens filmadas da Terra à Lua
Celebrou-se em julho o cinquentenário do momento em que Neil Armstrong, o primeiro ser humano a pisar o solo do nosso satélite natural deu aquele “pequeno passo para o Homem, grande passo para a Humanidade”. Muito antes, já o cinema começara a fantasiar sobre as viagens à Lua, e o nosso percurso por essa história leva-nos do cinema mudo até tempos bem recentes.
Dia 20 de Julho de 1969. Os Estados Unidos venciam a União Soviética na mais espetacular e pacífica das batalhas da Guerra Fria. Um astronauta americano, Neil Armstrong, pisava o solo lunar, coroando de êxito a missão da Apolo 11. Por cá, como em todo o mundo, não se descolavam os olhos dos ecrãs de televisão, apesar do fraco sinal, enquanto o especialista das viagens espaciais da RTP, José Mensurado, explicava o que se passava “lá em cima”, numa emissão em direto que durou 18 horas.
O cinema de ficção científica, assim chamado por ficcionar acontecimentos e invenções antes de ocorrerem (ou não), já tinha projetado a hipótese de o Homem chegar à Lua, aproveitando a possibilidade de essa nova forma de expressão poder colocar em imagens em movimento o que outras artes, como a literatura, já haviam abordado.
Também atento a efemérides, sobretudo se têm dimensão universal, o cinema antecipou-se ao cinquentenário com a produção de “First Man” (“O Primeiro Homem na Lua”), assinado pela nova coqueluche de Hollywood, Damien “La La Land” Chazelle, menos centrado na missão e mais na figura de Neil Armstrong e na sua escolha para ser o “primeiro homem”. É Ryan Gosling o ator que dá corpo a esse mítico navegador do século XX, que tinha 38 anos nesse 20 de Julho de 1969, vindo a falecer em 2012, aos 82 anos de idade.
Curiosamente, os grandes títulos cinematográficos sobre viagens à Lua antecedem a verdadeira missão, como se a concretização significasse o fim da magia. Se era possível, porquê fantasiar?, pareciam dizer os argumentistas e realizadores de todo o mundo.
É verdade que as viagens à Lua continuaram no cinema. Os nazis, afinal, tinham-se antecipado na conquista do nosso satélite, Wallace e Gromit – e muitas outras personagens de animação – também por lá andaram. E tantos filmes iluminou a Lua romântica, como “O Feitiço da Lua”, que valeu um Óscar a Cher. E tantos lobisomens, do filme de terror, surgiram em noites de Lua Cheia. O falhanço da terceira ida tripulada à Lua ofereceu a Ron Howard a possibilidade de assinar o notável “Apollo 13”, e a televisão punha-nos todos os sábados a seguir a Lua, saída de órbita e vagueando pelo espaço, levando com ela os habitantes da “Moonbase Alpha”, em “Espaço: 1999”.
Mas foi entre o Méliès de 1902 e o Kubrick de 1968 que as mais extraordinárias aventuras lunares do cinema tiveram lugar. Se foram os irmãos Lumière a inventar o cinema enquanto possibilidade técnica e lhe garantiram a importância
documental, antes de abandonarem essa descoberta, a que não atribuíam “grande futuro”, seria outro francês, o ilusionista Georges Méliès a pegar na maquinaria e a “inventar” o cinema enquanto forma de contar histórias e de nos maravilhar com “viagens através do impossível”. Uma delas, inimaginável em 1902, deu origem ao que será o seu maior clássico, “Voyage dans la Lune”. Após um congresso científico validar a missão, procede-se à construção de uma nave em forma de bala, em que os “astronautas”, de casaca e cartola, são disparados por um canhão gigante em direção à Lua risonha, acertando-lhe em cheio num olho. Saindo da nave, o grupo de exploradores avista a Terra. Após uma noite de merecido repouso e sonhos maravilhosos, penetram nas entranhas do satélite e têm um “encontro imediato” com estranhos e ameaçadores selenitas, que os fazem regressar à pressa a casa, onde são recebidos em glória…
Sobretudo na versão recentemente restaurada, com as cores originais, à época pintadas à mão, imagem por imagem, são cerca de 15 minutos de magia, inocência e criatividade. Nasciam as viagens à Lua no cinema. Seria ainda durante o período mudo, já na fase final, que Fritz Lang assinaria na Alemanha, em 1929 – em Hollywood, o cinema já “falava” havia dois anos – um dos grandes clássicos da sua filmografia, “Uma Mulher na Lua”. Depois de obrasprimas como “Dr. Mabuse, o Jogador”, “Os Nibelungos” ou “Metropolis”, o cineasta assinava assim uma das obras basilares das viagens à Lua, aqui centrada num cientista ganancioso, certo de que sob a superfície lunar havia enormes jazidas de ouro.
A década de 1950 deu origem a mais clássicos das missões lunares. Foi o caso de “Destination Moon”, de Irving Pichel, em que os EUA conseguem colocar os primeiros homens na Lua, mas por um erro de cálculo se veem forçados a deixar por lá um deles, ou “From the Earth to the Moon”, de Byron Haskin, baseado no romance homónimo de Jules Verne.
Mas seria sensivelmente um ano antes da verdadeira alunagem que o cinema nos levaria a uma das mais extraordinárias viagens ao satélite. “Em 2001: Odisseia no Espaço”, a descoberta de um estranho monólito na Lua dá origem a uma missão a Júpiter, em busca de respostas para os grandes mistérios da Humanidade. Resulta desse filme uma das grandes anedotas em torno das viagens à Lua. Respondendo àqueles que ainda hoje não acreditam que tenha sido verdade, talvez os mesmos que pensam que a Terra é plana, diz-se que a NASA, querendo simular a missão, pediu a Stanley Kubrick para a encenar. Mas este, perfeccionista como sempre, exigiu que se filmasse no próprio local!