SEPARAÇÃO E COLABORAÇÃO DO ESTADO E DA IGREJA NO TEMPO DE SALAZAR
A ideia de que há um português (ou lusodescendentes) em qualquer canto do mundo não é inédita, e é recuperada pelo autor logo a abrir a nota introdutória a este volume, assumindo a eventual banalidade da asserção, mas salientando uma constante que vem notando na investigação sistemática da presença de portugueses na Rússia, a facilidade de integração no país de acolhimento: “Os seus homens casam-se com mulheres locais, criam raízes no novo lugar, ainda que não se esqueçam da terra de onde partiram”. Neste livro conta-se a história de José Pedro Celestino Velho, mercador e diplomata portuense que foi para São Petersburgo em 1781, como cônsul-geral, no âmbito de relações comerciais ligadas à introdução do vinho do Porto naquele país, por intermédio da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, fundada 25 anos antes por decreto pombalino. José Milhazes não se cinge ao percurso desse homem, seguindo o trilho da descendência até Vladimir Velho, que acabou por falecer em 1961 exilado nos Estados Unidos (czarista, deixara o país para escapar ao gulag), onde foi sepultado.
Originalmente dado à estampa em 1983, este livro foi, em 2000, objeto de profundas alterações pelo autor (“verifiquei que não podia manter os critérios com que tinha seleccionado, interpretado e comentado os principais trechos narrativos dos livros de linhagens”), regressando agora ao mercado com as chancelas Temas e Debates e Círculo de Leitores. Construção historiográfica, leitura crítica e puro deleite literário conjugam-se, de forma invulgar, nesta obra, mais do que uma antologia extraída do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, percebem-se pela análise de Mattoso as histórias que circulavam no espaço peninsular, no século XIV, mas também o modo como “o refundidor de 1380” adaptou ou, pura e simplesmente, ficionou determinados acontecimentos para servir interesses seus e do seu tempo. É muito curioso verificar em que termos chegavam ao Portugal medievo histórias como a lenda do Rei Artur, que se tornou universal através dos tempos, ou como as narrativas contidas neste nobiliário estimularam a literatura histórica (vejam-se, por exemplo, as “Lendas e Narrativas” de Herculano).
Está a chegar ao mercado nova incursão de Luís Reis Torgal no tema dos feriados, a que chegara em 2012 ao publicar as investigações inacabadas de Luís Oliveira Andrade sobre o tema, num volume em co-autoria intitulado “Feriados em Portugal”. O subtítulo “O caso dos feriados” revela desde logo o aprofundamento de algo que o anterior trabalho já clarificava, a forma como a dicotomia laicidade/religiosidade foi tratada pelo Estado Novo no capítulo particular das datas comemorativas avalizadas pelo poder. Só em 1952, 12 anos após a Concordata e 19 anos passados sobre a Constituição de 1933, surgiram no calendário os feriados religiosos, impensáveis no tempo laico (e, em muitos casos, profundamente anticlerical) da República. Até aí, por exemplo, o dia 25 de dezembro continuava a ser feriado sem nenhuma justificação oficial além da republicana, que o considerava dia dedicado à família. A forma como Oliveira Salazar, independendemente da sua própria matriz religiosa sobejamente conhecida, entendeu a “catolização do Estado”, sobretudo, pelo prisma do seu benefício político é muito reveladora.