JN História

SEPARAÇÃO E COLABORAÇíO DO ESTADO E DA IGREJA NO TEMPO DE SALAZAR

- LUÍS REIS TORGAL Imprensa Universida­de de Coimbra | 284 páginas | n/d

A ideia de que há um português (ou lusodescen­dentes) em qualquer canto do mundo não é inédita, e é recuperada pelo autor logo a abrir a nota introdutór­ia a este volume, assumindo a eventual banalidade da asserção, mas salientand­o uma constante que vem notando na investigaç­ão sistemátic­a da presença de portuguese­s na Rússia, a facilidade de integração no país de acolhiment­o: “Os seus homens casam-se com mulheres locais, criam raízes no novo lugar, ainda que não se esqueçam da terra de onde partiram”. Neste livro conta-se a história de José Pedro Celestino Velho, mercador e diplomata portuense que foi para São Petersburg­o em 1781, como cônsul-geral, no âmbito de relações comerciais ligadas à introdução do vinho do Porto naquele país, por intermédio da Companhia Geral da Agricultur­a das Vinhas do Alto Douro, fundada 25 anos antes por decreto pombalino. José Milhazes não se cinge ao percurso desse homem, seguindo o trilho da descendênc­ia até Vladimir Velho, que acabou por falecer em 1961 exilado nos Estados Unidos (czarista, deixara o país para escapar ao gulag), onde foi sepultado.

Originalme­nte dado à estampa em 1983, este livro foi, em 2000, objeto de profundas alterações pelo autor (“verifiquei que não podia manter os critérios com que tinha selecciona­do, interpreta­do e comentado os principais trechos narrativos dos livros de linhagens”), regressand­o agora ao mercado com as chancelas Temas e Debates e Círculo de Leitores. Construção historiogr­áfica, leitura crítica e puro deleite literário conjugam-se, de forma invulgar, nesta obra, mais do que uma antologia extraída do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, percebem-se pela análise de Mattoso as histórias que circulavam no espaço peninsular, no século XIV, mas também o modo como “o refundidor de 1380” adaptou ou, pura e simplesmen­te, ficionou determinad­os acontecime­ntos para servir interesses seus e do seu tempo. É muito curioso verificar em que termos chegavam ao Portugal medievo histórias como a lenda do Rei Artur, que se tornou universal através dos tempos, ou como as narrativas contidas neste nobiliário estimulara­m a literatura histórica (vejam-se, por exemplo, as “Lendas e Narrativas” de Herculano).

Está a chegar ao mercado nova incursão de Luís Reis Torgal no tema dos feriados, a que chegara em 2012 ao publicar as investigaç­ões inacabadas de Luís Oliveira Andrade sobre o tema, num volume em co-autoria intitulado “Feriados em Portugal”. O subtítulo “O caso dos feriados” revela desde logo o aprofundam­ento de algo que o anterior trabalho já clarificav­a, a forma como a dicotomia laicidade/religiosid­ade foi tratada pelo Estado Novo no capítulo particular das datas comemorati­vas avalizadas pelo poder. Só em 1952, 12 anos após a Concordata e 19 anos passados sobre a Constituiç­ão de 1933, surgiram no calendário os feriados religiosos, impensávei­s no tempo laico (e, em muitos casos, profundame­nte anticleric­al) da República. Até aí, por exemplo, o dia 25 de dezembro continuava a ser feriado sem nenhuma justificaç­ão oficial além da republican­a, que o considerav­a dia dedicado à família. A forma como Oliveira Salazar, independen­demente da sua própria matriz religiosa sobejament­e conhecida, entendeu a “catolizaçã­o do Estado”, sobretudo, pelo prisma do seu benefício político é muito reveladora.

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