PORTO – A ENTRADA PARA O MUNDO
Este volume, o primeiro de três com que Vital Moreira e José Domingues assinalam o segundo centenário da Revolução Liberal de 1820, nasceu nas páginas da JN História. A partir de dezembro de 2017, estes dois professores de Direito com clara veia de historiadores publicaram, nas nossas páginas, uma série de 14 artigos que, aqui transformados em capítulos, traçam com detalhe (e dados até agora por estudar), aquilo a que se poderá chamar a primeira etapa do constitucionalismo português, cumprida da revolução de 24 de agosto, na cidade do Porto, até à aprovação da Constituição, em 23 de setembro de 1822. O vintismo, isto é, esta primeira fase do liberalismo português, constitui, sem sombra de dúvida, a base do sistema político que temos e a entrada de Portugal na contemporaneidade (não obstante interrupções desse caminho de liberdade e democracia, seja o interregno absolutista, sejam o Estado Novo e a Ditadura Militar/Nacional que o precedeu). Daí que os acontecimentos de há 200 anos mereçam do país o reconhecimento e a lembrança que não lhes são sonegados nas páginas da nossa revista.
Se olharmos o subtítulo deste estudo de caso feito por Edgar Silva, vendo que se reporta ao período entre 1969 e 1974, logo pensaremos, e bem, que, apesar do nome da entidade em questão o sugerir (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos), não se trata de um organismo oficial. Mas também estaremos errados se supusermos tratar-se de uma organização clandestina. Não era. Aproveitando uma brecha no Código Civil, opositores do regime (de várias famílias político-ideológicas) fundaram esta organização que, sem ter ação política direta contra o governo, tinha-a na sua própria essência, pois, como nota no prefácio Frei Bento Domingues, ele mesmo membro da comissão, “era a própria existência de presos políticos que constituía um atentado contra os direitos humanos”. Edgar Silva, que se encontra a trabalhar num doutoramento consagrado ao tema “católicos na revolução”, pega aqui em documentação já conhecida e publicada, propondo o enquadramento da comissão como movimento social e promovendo o reconhecimento do seu papel na construção ou preparação do Portugal democrático.
O que interessa este título aos leitores portugueses? Sobretudo, perceber como somos vistos lá fora. No caso, trata-se de um volume dedicado à cidade do Porto, mas a premissa é comum a outros trabalhos do autor, cuja paixão pelo país é evidente, dedicados ao Portugal saído do 25 de Abril, a Lisboa como era vista pelos estrangeiros até ao 25 de Abril ou, ainda, ao ambiente lisboeta durante a Segunda Guerra Mundial. No caso do volume sobre o Porto, de que aqui damos notícia, há algo que uma simples consulta da bibliografia demonstra, em particular no que concerne à historiografia sobre a cidade: o autor está longe de a dominar ou de acompanhar o tanto conhecimento que tem sido produzido sobre o passado do velho burgo, selecionando leituras que, por vezes, estão longe de ser as mais recomendáveis (o mesmo se aplicando à contextualização nacional que percorre todo o texto). Mas, como ficou dito atrás, não é isso que interessa. O importante é perceber como nos veem e como nos mostram lá fora. E o resultado é, em simultâneo, lisongeiro, estimulante e desafiador.