DE QUASE NADA A QUASE REI
Embora a autora prefira o termo “Shoá”, de raiz hebraica, para se referir ao assassínio em massa de judeus pelo regime nazi, durante a Segunda Guerra Mundial, é a mais corrente designação de etimologia grega – cujo uso levanta algumas questões conceptuais – que dá título a esta imprescindível obra, “espécie de manual” que faltava em Portugal, e em língua portuguesa, sistematizando ideias e anulando mal-entendidos em relação ao tema. Assente em vasta bibliografia, que, por si, constitui um contributo anorme para quantos queiram aprofundar estas questões, o trabalho de Irene Pimentel organiza-se de forma a dar respostas a perguntas sobre o processo em si, sobre cumplicidades ou silêncios em torno desse colossal crime, sobre os locais, os meios, as cronologias, o modo como o mundo se inteirou o o que poderia ou não ter sido feito para contrariar o horror. Mas também, numa segunda parte, são equacionadas todas as dúvidas acerca de Portugal, de que modo o nosso país, embora neutral, foi tocado pela Shoá, qual era a dimensão do antissemitismo e de que modo não era estrutural do regime... Imprescindível.
De vez em quando, num campo aparentemente tão repisado como é o das obras de síntese sobre a História de Portugal, somos contemplados com abordagens novas e verdadeiramente estimulantes. Mais pela abrangência do que pelo aprofundamento (falamos de uma obra que contém 94 artigos, produzidos por 87 autores, poderíamos dizer que muita da fina-flor da atual historiografia portuguesa) e, sobretudo, pela forma inovadora como, da pré-história à atualidade, todo o passado de Portugal é olhado continuamente através do contacto deste espaço restrito (das suas gentes) com o mundo, o esforço coletivo que aqui destacamos, de leitura agradável e não necessariamente contínua, é o retrato de como tocámos os outros e por eles fomos tocados. Dirigido por um físico (Carlos Fiolhais) e dois historiadores (José Eduardo Franco e José Pedro Paiva), este volume tem coordenação científica de João Luís Cardoso (Pré-História e Proto-História), Carlos Fabião (Antiguidade), Bernardo Vasconcelos e Sousa (Idade Média), Cátia Antunes (Época Moderna) e António Costa Pinto (Época Contemporânea).
Aqui mostramos a mais recente – e já de enorme sucesso – biografia de Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras, marquês de Pombal, uma das mais marcantes figuras da nossa história política. Desde logo há que evidenciar a circunstância do próprio livro, i.e., o facto de ser obra de um ficcionista e poeta, o que desde logo dá ao volume o seu carácter “leitorfágico” (passe o ajambrado neologismo, um texto que se alimenta do leitor para ser devorado por este): “Era uma vez um homem que nasceu de uma ferida, de uma falha tectónica entre a terra e o sangue”. Algo que não belisca a biografia enquanto género historiográfico, assente nas fontes e, sobretudo, sem ser mais do mesmo. Explica-o bem o historiador Rui Tavares: “Desejei muitas vezes que houvesse uma biografia que fizesse o que este livro de Pedro Sena-Lino faz: separar mito de realidade, e assumir francamente quando não é possível fazê-lo; não ter medo de arriscar uma tese ou interpretação, explicando por que poderia ela falhar; deixar falar os documentos judiciosamente, mas não fingir que se pode ocultar a voz do autor”.