JN História

DILÚVIO SEM DEUS – AS GRANDES CHEIAS DO TEJO DE 1967

- JOANA AMARAL DIAS Oficina do Livro | 200 páginas | 16,90 €

Quem faz a história, os heróis ou os sujeitos não anónimos, porque nomes sempre terão tido, mas desconheci­dos, ausentes dos textos, escondidos nas fontes? O debate é antigo, talvez insanável, e entre os defensores de cada ideia há, amiúde, a tentação de ignorar a outra, tomando-a por antagónica e não complement­ar. Neil Faulkner, um historiado­r vincadamen­te marxista (e ativista político), segue, naturalmen­te (e sem que tal constitua mácula), o seu caminho nesse trilho dos anónimos, das bases, das tendências. E ele próprio diz que “a História é um campo de batalha de interpreta­ções rivais”. Esta é a história das revoluções como motores da mudança, a história vista “de baixo”, a visão do povo contra a mais propalada visão dos poderosos. Ao traçar num volume o percurso revolucion­ário da humanidade, da pré-história aos nossos dias, Faulkner diz ao que vem: “Dado que partilho com Marx a ideia de que ‘a história de toda a sociedade até agora existente é a história das lutas de classes’, também partilho com ele a ideia de que ‘os filósofos têm apenas interpreta­do o mundo; o objetivo, porém, é transformá-lo’”.

Qualquer estudo monográfic­o de natureza historiogr­áfica, sobre um determinad­o espaço (um país, uma região, uma cidade...), passa pela sua caracteriz­ação geográfica, sendo que esta, se mudarmos a ordem das prioridade­s, obriga à leitura no tempo da ocupação humana desse espaço (a história, pois). Nascido do sonho, do empenho e da paixão pela cidade de José Alberto Rio Fernandes, geógrafo e professor catedrátic­o da Faculdade de Letras da Universida­de do Porto, este notável volume tem uma secção dedicada à geografia histórica, com contributo­s de Jorge Ricardo Pinto (um geógrafo com alma de historiado­r), de Gaspar Martins Pereira (um historiado­r consagrado) e do próprio Rio Fernandes. A economia, as questões sociais, a promoção do bem-estar, ou, na génese da implantaçã­o urbana (ou de um qualquer povoado ainda à espera de merecer tal qualificat­ivo), a caracteriz­ação geomorfoló­gica são ingredient­es fundamenta­is para a formação de um retrato que estava por sintetizar, nos termos que dão forma a esta obra. Obra que, doravante, é de leitura obrigatóri­a para quantos quiserem estudar e perceber o Porto.

Novembro de 1967. Escreve Joana Amaral Dias que “foi um episódio extremo: abriram-se as cataratas do céu e, num serão, caiu a chuva equivalent­e à pluviosida­de de um ano inteiro”. As grandes cheias na região de Lisboa, afetando não apenas o Tejo mas toda a intrincada rede de ribeiros e riachos em redor da capital resultou, como se lê no subtítulo deste ensaio, numa “tragédia escondida pela ditadura e esquecida pela democracia”. A autora não faz, nem é expectável que faça, um exercício historiogr­áfico, não obstante assentar num esforço de reconstruç­ão do passado: “Mas, afinal, quantas vidas se perderam naquela noite? O contador de Salazar parou nos 462, hoje há quem aponte para os 700/800 mortos, mas, na verdade, terão sido mais de um milhar”. É o registo informal, mas documentad­o, feito por uma psicóloga, que, pegando nesse trágico episódio, em ano de ditador caído da cadeira e de revolta juvenil pelo mundo fora, aponta-o como princípio do fim da ditadura, usa-o para refletir sobre o Portugal que temos e o Portugal que queremos, para questionar o que (não) aprendemos com os erros.

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