Orlando Ribeiro
1911-1997
Por História entende-se, já muitas vezes foi escrito nas nossas páginas, o estudo do Homem no tempo. É, talvez, a definição mais básica, tão básica que lhe falta um elemento também essencial: o espaço. As perspetivas historiográficas estão sempre, de forma mais ou menos direta, vinculadas a espaços, a territórios diminutos ou amplos, restritos ou abertos, estritos ou múltiplos, isto é, espaços distintos em contacto uns com os outros desta ou daquela forma. Mesmo que procuremos uma tal amplitude que possa ser entendida como a vontade de não delimitar um espaço – imagine-se a mais completa História da Humanidade de todos os tempos –, esta tem sempre as suas balizas espaciais: o planeta Terra e o seu satélite natural, onde já houve presença humana, ou, até, um espaço mais alargado, delimitado pela presença humana indireta proporcionada por sondas espaciais, sendo o mais longínquo ponto por estas alcançado a última e mutante fronteira conhecida. Tudo isto para dizer que, numa coluna dedicada habitualmente a historiadores, faz absoluto sentido evocar a figura de Orlando Ribeiro, o mais notável geógrafo português de todos os tempos.
“Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, obra que deu à estampa em 1945, mudou por completo e em definitivo todas as formas de o país olhar para si próprio, incluindo a historiografia. Essa definição de duas grandes realidades – ou mundos – vincadamente distintas no território continental de Portugal jamais pôde estar ausente de qualquer abordagem à formação e ao percurso deste país, e, na verdade, tal resultou também de o próprio Orlando Ribeiro, ao revolucionar e modernizar a geografia entre nós, tê-lo feito num permanente diálogo com a antropoligia, com a etnografia, com a arqueologia ou com a história. Poderá parecer óbvio, em tempos de valorização da interdisciplinaridade, mas tal atitude constituía, efetivamente, uma notável mudança da paradigma. Uma mudança que tinha a ver, antes de mais, com a formação e o espírito dele próprio.
Num tempo em que as licenciaturas em História tinham duas vertentes, ou tendências, por associação a outros ramos de conhecimento, havia nas universidades portuguesas os cursos de Ciências Histórico-Filosóficas e de Ciências Histórico-Geográficas. Como é fácil de perceber, Orlando Ribeiro optou pela segunda via, licenciando-se em 1931 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (a cidade onde nasceu, em 1911), mas essa predisposição de cruzar áreas de saber já lhe vinha de trás. Por exemplo, desde o sexto ano do liceu que travara contacto com Leite de Vasconcelos, eminente arqueólogo e etnógrafo, experiência que o próprio reconheceu como marcante: “A leitura interpolada das Religiões da Lusitânia, no meu primeiro contacto com Leite de Vasconcellos, no começo do 6.º ano liceal, devo-a à recomendação de um professor para lermos as páginas proemiais da pré-história. Claro que li isso e muito mais e a obra abriu-me outro sector de curiosidade: o da Arqueologia, a arte de evocar o passado através dos seus restos miúdos e incompletos” (in “Memórias de um Geógrafo”, 2003, edição post mortem de textos memorialísticos). Na construção do seu próprio percurso científico, depois do doutoramenteo em Lisboa (logo em 1935, com uma tese intitulada “A Arrábida, esboço geográfico”), foi determinante a ida para Paris para ocupar uma vaga de leitor de Português na Sorbonne. Mais do que a oportunidade profissional, foi a possibilidade de contactar e aprender com os dois mais notáveis geógrafos franceses daquele tempo, Emmanuel de Martonne, na área da geografia física, e Albert Demangeon, no campo da geografia humana. Depois de uma breve passagem como docente pela Universidade de Coimbra (de 1940 a 1942), assentou arraiais na sua Faculdade de Letras de Lisboa, onde fundou o Centro de Estudos Geográficos, nascido depois de Ribeiro ter conseguido realizar na capital portuguesa, em 1949, o primeiro Congresso Internacional de Geografia do pós-guerra, visto como um sucesso absoluto. Foi num desses congressos, 11 anos depois, em Estocolmo, que conheceu a francesa Suzanne Daveu, com quem casou e que se tornou, também, uma referência importante da geografia portuguesa.
Orlando Ribeiro, cuja bibliografia, incluindo artigos científicos, é absolutamente avassaladora, nunca foi um sábio encerrado na sua bibilioteca. Era um homem do terreno, que cruzou todos os caminhos de Portugal, e ainda alguém que, por considerar, desde o início do seu percurso, a fotografia como um elemento essencial nos estudos que desenvolvia, veio a tornar-se um fotógrafo relevantíssimo. Isto apesar de as limitações (de custos) à publicação de imagens em livro terem feito do seu notável acervo um segredo apenas revelado, aos olhos do grande público, nos Encontros de Fotografia de Coimbra, em 1994.