A REVOLUÇÃO LIBERAL (E A CONTRARREVOLUÇÃO) EM BRAGA
Concebida e preparada pelo Sinédrio, a Revolução Liberal de 1820 deve o seu êxito ao aliciamento de uma ampla rede de unidades militares, que asseguraram o rápido controlo do terreno, sem resistência. De facto, antes da sublevação militar de 24 de agosto, no Porto, os membros do Sinédrio – que já incorporava dois militares, José de Melo e Castro de Abreu e Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda – diligenciaram no sentido de assegurar o apoio dos comandantes militares mais próximos, que, por sua vez, passaram a recrutar outros homólogos, bem como os oficiais que estavam sob o seu comando. Esse apoio veio particularmente dos comandos militares do Porto e da província do Minho, salvo a adesão a sul do Douro de António Barreto Pinto Feio, comandante do Regimento de Milícias da Vila da Feira, e de Francisco António Moniz Pamplona, comandante do Batalhão de Caçadores n.º 11, também da Vila da Feira.
Os conspiradores (sinedristas e militares) estavam cientes de que em
preender uma sublevação de tal envergadura só com o apoio militar das tropas do Porto seria demasiado temerário, correndo o risco de ficarem isolados. Aliás, só essa mobilização prévia permite compreender a rápida, espontânea e massiva adesão militar das corporações minhotas, em contraste com o que viria a suceder no resto do país, incluindo nas adjacentes províncias de Trás-os-Montes e da Beira.
Neste contexto, o apoio militar da cidade de Braga era indispensável para o sucesso da iniciativa revolucionária desencadeada no Porto: pela proximidade geográfica, pela elevada importância militar, por ser a cabeça de comarca, mas também por ser a capital do arcebispado – onde residia um grande corpo eclesiástico, que “pela ascendência que tem e pelos confessionários, fazem uma terrível guerra surda, podem muito e manejam muito, havendo muita gente que toma, como de um oráculo, tudo o que deles sai” [testemunho em carta dirigida a Ferreira Borges]. A cidade de Braga era, sem dúvida, um ponto estratégico para levar a bom porto os propósitos dos sinedristas. Neste artigo, vamos reviver os acontecimentos e os principais protagonistas que, há duzentos anos, marcaram a Revolução Liberal na cidade dos arcebispos.
A preparação militar da Revolução
O elevado secretismo que envolveu as conversas prévias com os militares não permite aferir a dimensão completa do apoio inicial à Revolução. Só muito parcialmente se pode romper essa penumbra, nomeadamente através das memórias legadas por alguns dos protagonistas. Os registos dos memorialistas de 1820 deixam antever o seguinte quadro, nas vésperas do 24 de Agosto (sem qualquer ordem cronológica):
– José da Silva Carvalho e João da Cunha Sotto Mayor, ambos do Sinédrio, falaram ao coronel de Milícias (brigadeiro) António da Silveira Pinto da Fonseca, para chefiar o movimento (tendo este vindo depois a ser nomeado presidente da Junta Provisional do Governo);
– António da Silveira, por sua vez, conseguiu trazer à causa o coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, comandante do Regimento de Artilharia n.º 4 (Porto);
– Brito Cabreira convidou o tenente-coronel do Regimento de Milícias da Feira, António Barreto Pinto Feio;
– Pinto Feio deu à causa revolucionária o Regimento de Milícias de Oliveira de Azeméis;
- José Maria Xavier de Araújo (do Sinédrio) e Frei Francisco de São Luís (que tinha sido contactado para integrar o Sinédrio) obtiveram a cooperação do coronel António Lobo Teixeira de Barros, comandante do Regimento de Infantaria n.º 9 (Viana do Castelo);
– José Ferreira Borges (um dos fundadores do Sinédrio) angariou a participação de Tibúrcio Joaquim Barreto Feio, ajudante do Regimento de Milícias da Maia; Barreto Feio, por seu turno, conseguiu a cooperação do major desse Regimento, José Pedro Cardoso da Silva, o qual, por ser de patente superior, o substituiu no conselho militar que veio a reunir na noite de 23 para 24 de agosto;
– José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho e Francisco Gomes da Silva levaram à causa revolucionária o tenente-coronel Domingos António Gil de Figueiredo Sarmento, comandante do Regimento de Infantaria n.º 6 (Porto);
– José Ferreira Borges juntou ainda o major Manuel Vaz Pinto Guedes, comandante do Batalhão de Caçadores n.º 6 (Penafiel); plausivelmente, terá sido o major Vaz Pinto Guedes quem aliciou o coronel do Regimento de Milícias de Penafiel, Alexandre Alberto de Serpa Pinto;
– Ferreira Borges, no dia 23 de agosto, enviou uma carta ao amigo e tenente-coronel do Batalhão de Caçadores n.º 11, estacionado na Vila da Feira, Francisco António Moniz Pamplona;
– Ferreira Borges e Brito Cabreira falaram ao coronel Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda, o qual, por diligências do primeiro, foi o segundo militar a ser integrado no Sinédrio;
– Bernardo Sepúlveda, na antevéspera da Revolução (22 de agosto), informou o general Filipe de Sousa Canavarro, governador das armas do Porto, que estava próxima a iniciativa revolucionária, o qual terá respondido: “Não me oporei, porém, também não entrarei, porque não quero atraiçoar o Governo que sirvo”.
Todavia, no dia 23 de agosto, o general Canavarro, “abusando da confiança que dele se havia feito, traindo o segredo e obstando contra a boa causa”, tentou persuadir o brigadeiro inglês Maxwell Grant a impedir a participação do Regimento n.º 6, que ainda comandava – o que foi travado pela intervenção providencial do tenente-coronel Domingos António Gil –; e também tentou persuadir o coronel Sepúlveda a retardar a execução do plano por dois ou três dias, porque esperava a chegada do marechal Pamplona, com poderes de Lisboa para abafar a revolução.
Efetivamente, o marechal Manuel Pamplona Carneiro Rangel chegou a Aveiro no dia 26 de agosto, aí tomando conhecimento da sublevação no Porto, pelo que retrocedeu para Coimbra, de onde foi obrigado a fugir para Lisboa (ver JN História, n.º 27). O “Correio Braziliense” de setembro de 1820, em Londres, noticiou o rumor de que o marechal Pamplona tinha sido enviado pelos governadores de Lisboa “para tomar o comando das tropas do Porto e prender os conspiradores”, em sequência de um aviso feito pelo conde de Amarante, que teria sido contactado para se juntar à causa revolucionária. Todavia, não há outro fundamento documental para o referido contacto prévio (anterior a 24 de agosto) do Sinédrio ao conde de Amarante, e, ao contrário do que depois se vulgarizou, nessa notícia não há qualquer referência a um eventual convite (inverosímil, aliás) para este general presidir à Junta de Governo que se ia formar.
Voltando ao general Canavarro, apesar do seu comportamento pouco leal, foi convocado e compareceu à vereação extraordinária portuense do dia 24 de agosto e, “perguntado e instado para decidir-se, pelo coronel Cabreira, ladeou sempre [a questão] e só disse que jurava depois que lhe disseram que o bispo e o governador das justiças haviam jurado” [Memória de J. Ferreira Borges, in V. Moreira e J. Domingues, Os 40 dias que mudaram Portugal, p. 237]. Nesta ocasião, foi reconduzido no lugar de governador das Armas do Partido do Porto e “instrumentalizado” pela recém-eleita Junta Provisional do Governo Supremo do Reino para a angariação do apoio das forças militares do resto do país.
No dia seguinte (25 de agosto), foi impressa a proclamação do general Canavarro ao Porto e à Nação, na qual ele anunciava o raiar do “dia da glória
e independência nacional”, manifestando-se inteiramente a favor da causa revolucionária e contra o “governo [da Regência] frouxo e contrário às sagradas instituições nacionais”. Em simultâneo, Canavarro assinou as cartas circulares (impressas) que, com as proclamações e o manifesto de 24 de agosto da Junta Provisional em anexo, foram dirigidas à maioria dos governadores e comandantes militares espalhados pelo país, para que os mandassem “imediatamente afixar nos lugares mais públicos”. Também em anexo, seguia um impresso com a fórmula do juramento constitucional a ser prestado pelos oficiais de cada corporação.
Assim, em nome do general Canavarro, estava lançado o mote a todas as autoridades militares do país para aderirem à Revolução começada no Porto.
Notável foi a adesão, “quase ao mesmo tempo e a uma só voz”, dos corpos militares de todas as cabeças de comarca do Minho (Viana do Castelo aderiu logo no dia 25 de agosto; no dia 26 de agosto, aderiram Barcelos, Braga e Penafiel; e no dia 27 de agosto, aderiram Valença do Minho e Guimarães) e de outras vilas dessa província (por exemplo, Ponte de Lima, que também aderiu no dia 26 de agosto). Estas datas são indiciadoras de ter havido ajustes prévios entre os homens do Sinédrio e a oficialidade das corporações militares minhotas.
A célere adesão militar em Braga e o papel das ordenanças
Importa começar por referir que, com elevado grau de probabilidade, também o comando militar de Braga teria assentido dar o seu apoio à Revolução e a força militar bracarense estaria pronta na véspera do dia 24 de agosto. Não será despiciendo que, no momento exato da Revolução, estivesse em Braga o marechal António de Lacerda Pinto da Silveira, e em Viana do Castelo o marechal Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda. Trata-se de duas altas patentes da máxima confiança da Junta Provisional do Governo: Gaspar Teixeira foi de imediato encarregado do governo das Armas da província do Minho e no dia 8 de setembro tomou o comando-em-chefe do Exército do Norte e o comando particular da 1.ª Divisão do mesmo Exército; António de Lacerda, por sua vez, tomou o “coman
verno, dando-lhe conta “de haver encontrado os habitantes de Braga com plena satisfação e contentamento em abono da justa causa”.
Um dia antes (28 de agosto), o coronel Joaquim Teles Jordão – que em Braga comandava as Brigadas n.º 3 e n.º 15 e o Regimento de Caçadores n.º 6 – emitiu um comunicado de manifesta adesão da tropa bracarense aos acontecimentos ocorridos no Porto. O relato circunstanciado dos factos foi enviado aos coronéis do Porto que estavam a liderar as operações militares – Sebastião Brito Cabreira e Bernardo de Castro Sepúlveda –, dando-lhe conta de que a notícia da sublevação no Porto tinha chegado a Braga ainda no dia 24 de agosto e, desde o primeiro momento, os oficiais dessa cidade se haviam mostrado “dispostos a praticarem o mesmo” que os do Porto.
De acordo com este manifesto, no dia 25 de agosto, pelas oito horas da manhã, Teles Jordão tinha recebido um ofício do Porto, que trazia em anexo a fórmula do juramento, as proclamações militares e o manifesto de 24 de agosto da Junta Provisional. De imediado
to, com o assentimento do marechal António Lacerda da Silveira, Teles Jordão tratou de reunir os oficiais, inclusive o major inglês Murfei, e de comunicar às autoridades da cidade as ordens e documentos que tinha recebido do Porto. Para tal, dirigiu-se imediatamente ao Paço Episcopal e pediu ao arcebispo que convocasse todas as autoridades aos Paços do Concelho. À convocatória compareceram o coronel de milícias de Braga, o provedor da comarca, o corregedor da comarca, o juiz do crime e o juiz de fora; Teles Jordão apresentou-lhes o ofício que tinha chegado do Porto e todos “votaram a sua pronta execução”. No final da sessão extraordinária, saíram todos juntos (militares e civis) “a passear pela cidade, o que fez aquietar os ânimos”.
No dia 26 desse mês, por volta do meio-dia, Teles Jordão mandou reunir o Regimento no Campo de Santana (atual Avenida Central), a que se juntou a nobreza e o povo da cidade. Depois de lido o manifesto de 24 de agosto da Junta Provisional, em uníssono, todos deram os vivas previstos “com a maior energia”. De imediato, prestou-se o “juramento na forma de estilo ordenado pela Junta do Supremo Governo do Reino” e repetiram-se os vivas. No final, a iniciativa revolucionária em Braga foi assinalada por “três fogos de alegria”.
Por toda a província do Minho, os oficiais passaram a prestar o juramento ordenado pela Junta do Governo. Aos nossos dias ainda chegaram alguns autógrafos desses juramentos:
– 27 de agosto – de António de Lacerda Pinto da Silveira, marechal de campo da 3.ª Divisão, no quartel-general em Guimarães;
– 28 de agosto – do major da 3.ª Brigada de Infantaria, António Gouveia Leitão, em Braga;
– 30 de agosto – de António Pinto Pereira Lemos, major da 6.ª Brigada de Cavalaria, em Viana do Castelo;
– 1 de setembro – do governador interino de Caminha, José Pereira de Castro; do capelão da fortaleza da Ínsua de Caminha, Manuel de Nossa Senhora das Necessidades; do governador do forte de Esposende, Joaquim Teixeira; do oficial da secretaria do governo das armas, em Viana do Castelo, Francisco António de Faria Lobo;
– 2 de setembro – do escrivão dos armazéns reais da praça de Vila Nova de
Cerveira, José António Soares; do depositário dos armazéns reais da praça de Vila Nova de Cerveira, Manuel António de Sousa Carvalho; do governador do forte de Lovelhe, o major de Infantaria José Ferreira Cardoso de Carvalho;
– 3 de setembro – do governador da praça de Vila Nova de Cerveira, Bernardo do Carmo Borges Cerqueira.
Aos juramentos da tropa de 1.ª linha (tropas regulares) e da tropa de 2.ª linha (milícias) temos de acrescentar os juramentos prestados pela tropa de 3.ª linha (ordenanças). Os juramentos das ordenanças locais têm sido completamente esquecidos, provavelmente por estas não terem sido convocadas para intervir em operações militares, uma vez que a sua principal função era a do recrutamento. No entanto, as ordenanças, pela sua maior proximidade às populações locais, desempenharam um papel crucial na divulgação dos ideários políticos junto destas.
Contrariamente ao que alguns autores afirmam, a Revolução Liberal foi também uma revolução popular, não de manifestações desordeiras e anárquicas, mas de adesão pacífica e controlada – desde a afluência popular às manifestações militares do Porto (24 de agosto) e de Lisboa (15 de setembro); as concorridas reuniões camarárias, em que participaram imensas pessoas (com muitos iletrados a assinarem de cruz); as paradas militares de adesão; os teatros, as luminárias, os festejos e os repiques dos sinos nos meios citadinos; o signatário dos “particulares e chefes de famílias” da comarca de Vila Real que, no dia 22 de setembro, foram convocados para manifestarem a sua adesão pública à causa; até à mole de milhares de pessoas que se reuniu para presenciar a entrada da Junta Provisional do Porto em Lisboa (1 de outubro) – representada na iconografia da época. As Ordenanças locais foram, desde o primeiro momento, aproveitadas pelos líderes revolucionários para angariar e enquadrar a participação popular à causa revolucionária.
No dia 28 de agosto, o marechal de campo Gaspar Teixeira, em nome da Junta Provisional do Governo Supremo, que o tinha investido nas funções de governador das Armas da província do Minho, emitiu um ofício para que os oficiais das capitanias-mores das ordenanças prestassem o juramento constitucional. A dita Junta Provisional, em ofício de 29 de agosto, insistia junto do referido marechal que era da maior necessidade “animar” os capitães-mores e os oficiais das ordenanças para que estes incutissem “no sentimento dos seus povos a razoável persuasão de que a utilidade pública nacional é o fim de nossos esforços”. Destas diligências chegaram até nós os seguintes juramentos, prestados, em setembro de 1820, pelos oficiais das Ordenanças da província do Minho:
– 3 de setembro – na Casa da Câmara do concelho de Santa Cruz de Riba Tâmega (atual freguesia de Vila Meã, concelho de Amarante), prestaram juramento perante o comandante da 12.ª Brigada das Ordenanças do Minho, José Pinto Machado de Mesquita de Lemos, os capitães-mores e oficiais dos concelhos de Amarante, Gestaçô, Gouveia, Lousada, Tuías e Canaveses, Santa Cruz de Riba Tâmega e Unhão e do couto de Travanca;
– 4 de setembro – na casa de morada de João Manuel da Costa, arrabalde de Vila Nova de Cerveira, perante o comandante da 2.ª Brigada das Ordenanças do Minho, Joaquim de Azevedo Araújo e Gama, prestaram juramento os capitães-mores e oficiais dos concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira e couto de Nogueira;
– 5 de setembro – na capela de São Bento da Lagoa, em Cerdal, perante o comandante da 2.ª Brigada das Ordenanças do Minho, Joaquim de Azevedo Araújo e Gama, prestaram juramento o capitão-mor e mais oficiais de Valença do Minho;
– 6 de setembro – nos Paços do Concelho de Paredes de Coura, perante o comandante da 2.ª Brigada das Ordenanças do Minho, Joaquim de Azevedo Araújo e Gama, prestaram juramento o capitão-mor e mais oficiais de Paredes de Coura;
– 9 de setembro – em Paderne (atual freguesia de Melgaço), prestou juramento o sargento-mor, comandante das Ordenanças da capitania-mor de Valadares, da 1.ª Brigada das Ordenanças do Minho; juramento dos oficiais do concelho de Arcos de Valdevez, da 4.ª Brigada das Ordenanças do Minho; juramento de Joaquim de Azevedo Araújo e Gama, comandante da 2.ª Brigada das Ordenanças do Minho, em Cerdal;
1820. Efetivamente, só no dia 6 de setembro é que a vereação extraordinária se reuniu para esse efeito, estando presentes o juiz de fora (presidente da câmara, por inerência), Doutor António Joaquim da Cunha, e os vereadores Fernando da Cunha Sotto Mayor, Francisco Bernardo de Sá e Sotto Mayor, Fernando António Machado, pela ausência do terceiro vereador (José de Paiva Pereira Marinho, militar que tinha partido em missão para a província de Trás-os-Montes) e o procurador do Senado (José Alexandre Salgado).
Importa, no entanto, esclarecer que o atraso bracarense de adesão ao novo sistema constitucional se deveu ao facto de a circular da Junta Provisional do Governo Supremo (de 26 de agosto) só ter chegado no dia 4 de setembro às mãos do corregedor de Braga, “que logo a participou à Câmara”, ficando por explicar este atraso na notificação do corregedor da comarca de Braga. Curiosa
mente, o Senado bracarense reuniu-se em 5 de setembro, mas, pela razão abaixo aduzida, a ata deste dia foi apagada com tinta, em 1823, tornando-a ilegível. No dia seguinte (6 de setembro), pelas nove horas da manhã, saiu um pregão “chamando as gentes para a Casa do Concelho às duas horas da tarde”, que o autor da missiva que utilizamos como fonte diz não ter visto e que ouvira dizer “que só chamava a nobreza e povo e não chamava o clero”.
Infelizmente, não chegou legível até nós a ata oficial dessa reunião da câmara bracarense. De facto, por força do aviso régio de 21 de agosto de 1823, após a Vilafrancada e o fim da experiência constitucional do vintismo (1820-1823), essa ata foi coberta com tinta e tornou-se ilegível, salvo o cabeçalho com os nomes do juiz de fora e dos vereadores presentes (atrás identificados). Mesmo assim, ainda é possível calcular que teria sido assinada por cerca de 65 pessoas. Perante tal cômputo, em comparação com as atas homólogas de outros concelhos – por exemplo, no dia 31 de agosto, em Coimbra, assinaram 101 pessoas; no dia 4 de setembro, em Vila Real (Trás-os-Montes), assinaram 161 pessoas; no dia 19 de setembro, em Santarém, assinaram mais de duas centenas de pessoas –, temos de concordar com uma testemunha do ato, que registou que “não houve grande concurso e faltou muita gente”, sobretudo por causa do temperamento conflituoso do juiz de fora.
A lacuna documental deixada pela ira destruidora do referido aviso contrarrevolucionário de 1823 pode hoje ser colmatada pelo relato detalhado (até agora inédito, encontrado na Biblioteca Nacional), que um ilustre bracarense e testemunha presencial, João de Faria Machado de Miranda Pereira, enviou a José Ferreira Borges, no dia 11 de setembro de 1820. A missiva começou a ser redigida no dia a seguir à reunião camarária (7 de setembro), mas, como não fosse concluída a tempo de ir no correio desse dia, acabou por seguir no correio de 11 de setembro.
Miranda Pereira começou por dar conta da falta de notícias em que se encontravam na cidade de Braga, acusando a falta dos panfletos impressos e dos diários liberais, que só chegavam a Pedro Gomes e ao general Lacerda; este último deu-os a ler enquanto esteve na cidade, mas, entretanto, tinha saído com o Exército para Trás-os-Montes. Por isso, solicitava a Ferreira Borges que lhe comprasse “todos os impressos e diários publicados e que se publicarem” e, por sua conta, lhos enviasse pelo correio. Enfatizando a importância que estes panfletos tinham para a causa pública, protestava que, até à data, só tinham sido afixados em Braga as proclamações e o manifesto da Junta Provisional (24 de agosto) pelo Regimento n.º 3 – “se mais impressos têm sido enviados a alguém, ou seja, ao senhor donatário [o arcebispo] ou às autoridades, não têm sido afixados para instrução pública, nem mesmo aparecem para ser lidos de mão em mão”.
Ao longo da missiva, o autor dirigiu severas queixas contra o juiz de fora de Braga, António Joaquim da Cunha, que considerou um “homem despótico, inatento e bravo”e“não devoto à causa [liberal]”, de difícil trato em geral, que alimentava um mau relacionamento com os seus pares (o corregedor da comarca e o juiz do crime e dos órfãos), com os seus subordinados e com a “gente da terra”. António Joaquim da Cunha era natural de Coimbra, filho de Manuel José da Cunha, tinha-se doutorado em Leis pela Universidade de Coimbra, no dia 25 de maio de 1795; e tinha sido designado para exercer as funções de juiz de fora da cidade de Braga por carta de D. João VI, datada de 25 de fevereiro de 1819.
Em contrapartida, os outros membros da Câmara eram “homens de muito bem natural, mas que não têm os conhecimentos e desembaraço necessário para fazer o que é bem e resistir à prepotência e ilegal predomínio que ali exerce o juiz de fora”. O único que ainda fazia alguma frente ao juiz de fora era o vereador José de Paiva Pereira Marinho, coronel do Regimento de Milícias de Braga, mas que, como ficou
dito, tinha saído em missão militar para a província de Trás-os-Montes.
A partir das duas horas da tarde, as pessoas começaram a chegar aos Paços do Concelho, no edifício sito à Praça do Município, freguesia da Sé, e que ainda hoje preserva a mesma traça exterior e continua afeto às funções camarárias. O juiz de fora só chegou perto das três horas da tarde e, “com todo o aspeto de aborrecimento”, entrou na sala de sessões e começou a reunião mandando ler, primeiro, o ofício do corregedor e, de seguida, o auto da Câmara do dia anterior, “que já se achava assento em um livro novo, logo na primeira e imediata folha, junto à capa do livro, encadernado em pasta e não em pergaminho, como costumam ser”. Confirmamos a veracidade desta observação, que naquele tempo causou estranheza ao autor da carta e aos demais presentes na sessão municipal.
Lavrado o auto camarário, primeiro assinaram as autoridades civis e eclesiásticas – o juiz de fora, os vereadores, o síndico, um almotacé (porque o outro estava fora), o corregedor da comarca, o juiz do crime e órfãos, e o deão e o cónego mais antigo, como representantes do cabido bracarense – e de seguida, o juiz de fora, voltando-se “de meia cabeça” para os presentes disse, segundo o relato de Miranda Pereira: guns académicos da Universidade [de Coimbra]”. O juiz de fora, persistindo na sua atitude avessa ao ato, não terá deferido devidamente o juramento por sua mão a cada um dos assinantes; simplesmente, colocou o “Livro de Horas” em cima da mesa e disse: “Aí tem o livro, pode pôr nele a mão!”. Em determinado momento, terá dito – “vão correndo o livro lá para baixo, para jurarem se quiserem!” –, de forma que nem todos tocaram o dito livro sagrado antes de assinar o auto camarário.
Concluídas as assinaturas, o juiz de fora sentou-se e pronunciou os vivas “em meia voz, metade sentado e metade pondo-se a pé, e tão baixo que ninguém ouviu quase o que ele disse”. Só os que estavam mais próximos ouviram o “viva el-rei” e responderam “tão baixo e tão mortalmente como ele, juiz de fora, o havia feito”.
O afastamento do povo e a contestação do clero
O testemunho que estamos a seguir admitiu que o povo bracarense não foi: (i) por se sentir aliviado em não ir; (ii) por não ser devoto à causa; (iii) por antever o que iria acontecer e se poupar “ao dissabor de presenciá-lo, como sofreram os que foram”, que viram “comprometida a honra e carácter da sua terra por um estranho, em ocasião semelhante e tão nacional”.
Por seu lado, o clero bracarense terá optado por uma atitude de “pouco afeto à mudança de coisas” e, por isso, avessa ao movimento revolucionário do 24 de agosto. Na referida reunião camarária do dia 6 de setembro só compareceram o deão e o cónego mais antigo (José Bernardo), em representação e a assinar por todo o cabido, e excecionalmente compareceu também o beneficiado João Pedro da Cunha. De resto, não se apresentou mais nenhum eclesiástico, “nenhum dos muitos abades que aqui estão e nenhum dos eclesiásticos desembargadores da Relação”.
Na manhã desse dia 6 de setembro, depois de ter consultado o juiz de fora para saber se deveria ir todo o cabido à sessão –
Sem embargo deste testemunho coevo, ainda no dia 6 de setembro, o arcebispo de Braga, D. Miguel da Madre de Deus da Cruz, remeteu uma procuração a Manuel Gomes da Silva, para que este prestasse o juramento em seu nome – uma vez que a portaria da Junta Provisional, do dia 26 de agosto, dispensava os arcebispos e bispos de comparecerem pessoalmente, permitindo-lhes que prestassem o seu juramento por procurador habilitado. Na missiva, o prelado recomendou ao seu procurador que, no ato de juramento, felicitasse “a Junta Provisional do Supremo Governo pela generosa resolução e heroicos esforços com que principiou e continua a defender a liberdade e salvação da Pátria; esforços que sei avaliar e admiro, estando pronto a concorrer da minha parte para que sejam felizmente coroados”. No entanto, salvo ordens em contrário, o arcebispo protestava que o juramento do provisor, do vigário-geral e mais clero bracarense deveria ser prestado nas suas mãos. O juramento por procuração do arcebispo da cidade de Braga viria a ser prestado no dia 13 de setembro de 1820.
Por provisão de 17 de outubro de 1820 o arcebispo de Braga ordenou que no dia 19 de outubro se celebrasse na Sé Catedral um solene Te Deum em ação de graças pela feliz união da Junta Provisional do Porto com o Governo Interino de Lisboa (1 de outubro) e se fizessem preces ao Altíssimo para que iluminasse o novo Governo Supremo e prosperasse a causa em que a Nação se achava empenhada, ao mesmo tempo, solicitou à Câmara Municipal que desse as demonstrações públicas de regozijo que em tais ocasiões de costumavam manifestar.
No entanto, passados apenas três anos, em agosto de 1823, o mesmo arcebispo equiparava os líderes do vintismo a uma “fação desorganizada”e considerava “nulo tudo quanto se obrou desde o referido dia 24 de agosto de 1820 até que foi restituído o legítimo governo de sua majestade”.
A ofensiva militar sobre Trás-os-Montes a partir de Braga
No dia 31 de agosto, a Junta Provisional do Porto deu ordens ao marechal de campo Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda para que marchasse “com a força de tropa que lhe parecer necessária” sobre a província de Trás-os-Montes, com o propósito de neutralizar a resistência levantada pelo governador das Armas desta província, o general-conde de Amarante, Francisco da Silveira Pinto da Fonseca (irmão do presidente da Junta Provisional, António da Silveira Pinto da Fonseca). Recomendando-lhe, no entanto, “a mais estrita disciplina, a fim de que os povos sofram o menos possível”, e só recorrer à força em casos estritamente necessários.
Em ofício remetido ao secretário da Junta Provisional (Francisco Gomes da Silva), no dia 2 de setembro, a partir do quartel-general de Viana do Castelo, Gaspar Teixeira deu conta de que, em
cumprimento da ordem recebida, tinha ordenado que se fizessem os reparos necessários no parque de artilharia, abonando a despesa a expensas suas, e tinha emitido as seguintes ordens:
– ao comandante do Regimento de Milícias de Barcelos, para que marchasse para Viana do Castelo, uma vez que o Regimento de Infantaria n.º 9, aí aquartelado, iria marchar para Guimarães;
– ao comandante do Regimento de Milícias de Viana, para que marchasse para a praça de Valença, para substituir o Regimento de Linha n.º 21, que marcharia para Braga;
– ao comandante do Regimento de Milícias de Braga, para que reunisse o Regimento em Braga;
– ao comandante do Regimento de Milícias de Guimarães, para que reunisse o Regimento em Guimarães;
– ao comandante do Regimento de Milícias n.º 2 de Cabeceiras de Basto, para que reunisse o Regimento em Arco de Baúlhe e Cavez.
Desta forma, Gaspar Teixeira deixava guarnecidos os pontos principais da província do Minho e organizava uma força militar robusta para avançar sobre a província de Trás-os-Montes, assim formada: em Braga, reuniu o Regimento de Infantaria n.º 21 (que tinha vindo de Valença), o Batalhão de Caçadores n.º 12 e o Regimento de Milícias de Braga, com todo o parque de artilharia; em Guimarães, reuniu o Regimento de Infantaria n.º 9 (que tinha vindo de Viana do Castelo), o Batalhão de Infantaria n.º 15 e o Regimento de Milícias de Guimarães; e em Arco de Baúlhe e Cavez (freguesias do concelho de Cabeceiras de Basto), reuniu o Regimento de Milícias de Basto.
No dia 5 de setembro, o marechal estava em Braga a ultimar os preparativos para a ofensiva militar sobre Trás-os-Montes. Entretanto, a Junta Provisional tinha-o designado governador das Armas da província do Minho e comandante do Exército Nacional do Norte. Nesse dia 5, invocando a sua ascendência transmontana (era natural de Vila Real), Gaspar Teixeira enviou uma proclamação a todos os transmontanos e aos oficiais do Exército de Trás-os-Montes para que, pacífica e voluntariamente, aderissem à causa revolucionária. Apesar de apelar e privilegiar a via pacífica, o tom ameaçador adotado no final da mensagem não deixava dúvidas quanto a um eventual recurso à força armada contra qualquer resistência:
“Todo o oficial e soldado que não se unir a mim e não prestar o juramento ao rei, às Cortes e ao Governo Supremo estabelecido no Porto, será julgado e castigado como traidor ao rei, à Pátria e à Nação; toda a terra ou povoação em que não se dê o mesmo juramento perderá os seus foros e privilégios e os seus habitantes serão julgados e castigados como traidores ao rei, à Pátria e à Nação”.
Gaspar Teixeira determinou que as forças militares fossem divididas em duas colunas, as quais, marchando por diferentes itinerários, se iriam reunir “em ponto conveniente para apresentar aos transmontanos uma força respeitável, a fim de que eles possam francamente declarar-se a favor da justa causa que defendemos”. No dia 6 de setembro, ao meio-dia, partiram de Braga as duas colunas militares: uma marchou em direção a Salamonde, comandada pelo major das Milícias de Braga, António Augusto, que, em 8 de setembro, dirigiu uma carta aos salamondinos a justificar a entrada do seu Regimento “na vossa deliciosa aldeia”; a outra, com o próprio marechal na dianteira, saiu de Braga em direção a Guimarães.
Todavia, quando o marechal Gaspar saiu de Braga já o conde de Amarante capitulara e praticamente toda a província de Trás-os-Montes, nomeadamente a sua capital (Vila Real), tinha jurado obediência à Junta Provisional do Porto. Por isso, as tropas do seu comando só podiam dar apoio aos que tinham aderido à causa da Regeneração. Mas o estudo da adesão de Trás-os-Montes à Revolução terá de ficar para uma próxima oportunidade.
A contrarrevolução em Braga (1823)
Os efeitos da Vilafrancada (maio de 1823) são visíveis no livro de atas da Câmara Municipal de Braga, com vários registos anteriores a serem cobertos com tinta. No entanto, antes ter chegado o aviso régio que mandava “aspar” os registos do período vintista, a Câmara Municipal de Braga, seguindo o exemplo da de Sernancelhe, antecipou-se e tomou uma insólita medida de vindicta contrarrevolucionária – que nos conste, esta medida ainda não foi objeto de qualquer estudo ou referência.
Na sessão do dia 22 de agosto de 1823, deliberou que no domingo seguinte, dia 24 de agosto – “por ser aquele mesmo em que a fação rebelde lançou os fundamentos à mais escandalosa oligarquia” –, se congregassem “as pessoas do clero, nobreza e povo que tiveram voto para a eleição dos deputados das extintas Cortes”, para “declararem que só por força e coação dos pretendidos Regeneradores eles deram procurações aos que se mandaram nomear, tanto para as chamadas Cortes Constituintes, como para as ordinárias, e que, por isso, livre e espontaneamente se hão por írritas, cassadas e de nenhum efeito”.
Nesse sentido, a edilidade determinou que se expedissem ordens a todos os párocos do termo de Braga para que, no dia 24 de agosto, os eleitores que tinham votado para as Cortes pudessem “livremente” revogar o seu voto, perante o pároco, o “juiz do subsino” e os “homens do acordo”. No final, ficavam obrigados a lavrar um auto por todos assinado, a ser entregue nos Paços do Concelho da cidade, em câmara extraordinária, às 9 horas da manhã do dia seguinte (25 de agosto).
Em relação à cidade, um pregão anunciou a convocação da reunião para o mesmo dia 24 de agosto, à mesma hora, nos Paços do Concelho, e que a cerimónia se realizasse perante os membros do Senado, com assistência do reverendo pároco da catedral. A sessão foi muito concorrida, com mais de três centenas de pessoas (na ata constam 322 assinaturas) a acorrerem para – “com o maior entusiasmo” – revogarem o voto que tinham prestado nas eleições constituintes de dezembro de 1820 e nas eleições legislativas de agosto-setembro de 1822. O bacharel Gaspar Joaquim Teles da Silva e Menezes, que tinha sido eleito deputado em 1822, apresentou um protesto (do qual não conhecemos o conteúdo) desfavorável a esta original “anulação” das eleições vintistas.
O aviso régio de 21 de agosto de 1823 – impondo que fossem aspados dos livros do arquivo “todos os registos dos documentos que obriguem os oficiais da mesma câmara a prometer e jurar obediência às instituições
políticas, opressivas e ilegais” e que fossem reduzidos “a cinzas os originais donde foram extraídos tais transuntos [transcrições]” – chegou a Braga posteriormente a esse episódio e foi apresentado na reunião municipal de 30 de agosto.
Conforme ficou registado na ata de 3 de setembro desse ano, foram rasurados os registos dos livros e mandados “reduzir publicamente a cinzas todos os autos originais donde foram extraídos os transuntos [transcrições] que se asparam e todos os mais papéis, borrões, atas e matrículas que serviram para as eleições”. A operação de “redução a cinzas” foi efetuada em fogueira ateada na própria Praça do Município, “estando presente ao incêndio grande concurso de povo, que repetia com o maior entusiasmo, entre foguetes do ar e repiques de sinos, vivas a el-rei nosso senhor absoluto”.
Embora não sejam conhecidos outros registos de “autos-de-fé” públicos, como o de Braga, a mesma operação de destruição de documentos vintistas ocorreu nas restantes câmaras do País, fazendo com que, de uma assentada, desaparecesse o espólio dos documentos referentes às: (i) primeiras eleições constituintes do País, que se realizaram no mês de dezembro de 1820; (ii) primeiras eleições legislativas, que ocorreram em agosto (primeira volta) e em setembro (segunda volta) de 1822; e (iii) aos “livros de matrícula”, que eram os registos do primeiro recenseamento eleitoral no País e tinham sido mandados fazer pela lei eleitoral de 11 de julho de 1822. Uma enorme perda para a história política do país!
Conclusão
As tropas aquarteladas na cidade de Braga distinguiram-se pela adesão imediata à iniciativa revolucionária da cidade do Porto. No dia 26 de agosto de 1820, por volta do meio-dia, o coronel Joaquim Teles Jordão mandou formar a tropa no Campo de Santana (atual Avenida Central) para, publicamente, com assistência da enorme multidão que ali se juntou, prestarem o juramento de obediência à Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, às Cortes e à Constituição que elas fizessem, mantida a religião católica romana e a dinastia da sereníssima Casa de Bragança, na pessoa de D. João VI.
A partir do seu quartel-general, em Braga, o marechal Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda organizou as tropas liberais destinadas a entrarem na província de Trás-os-Montes e vencerem a resistência do seu primo e cunhado, o general-conde Francisco da Silveira Pinto da Fonseca. Como veremos num próximo estudo, a resistência da província transmontana cedeu e o conde de Amarante capitulou pacificamente antes de Gaspar Teixeira ter saído de Braga, à frente de uma das colunas militares que tinha ordenado.
Já o acolhimento prestado pelas autoridades civis e religiosas de Braga à Revolução foi mais tímido, polémico e sobretudo tardio: por um lado, porque se atrasou a missiva enviada pela Junta Provisional do Porto ao corregedor da comarca e, por outro lado, porque o juiz de fora tudo fez para tornar a aclamação da Junta do Governo, das Cortes e da Constituição “mais um enterro do que uma aclamação”.
Volvidos três anos, no dia 3 de setembro de 1823, à semelhança do que aconteceu no resto do país, a contrarrevolução foi convictamente acolhida na cidade dos arcebispos, com os registos da Revolução no livro das vereações a serem rasurados e os documentos oficiais avulsos a serem queimados em fogueira pública, na Praça do Município. Mas já antes disso a câmara de Braga organizara, por sua iniciativa, uma sessão de revogação coletiva das eleições vintistas, no dia exato em que se completava o triénio da Revolução, 24 de agosto de 1823. O entusiasmo que faltara na revolução sobrou na contrarrevolução.
Assim, relatando o que aconteceu em Braga nesses fatídicos dias, deixamos aqui exposta a razão fundamental por que, hoje, os manuscritos originais da Revolução Liberal – nomeadamente, os das primeiras eleições constituintes do País, de dezembro de 1820; os das primeiras eleições legislativas às Cortes ordinárias, de agosto (primeira volta) e de setembro (segunda volta) de 1822; assim como os “livros de matrícula” de 1822, que são os cadernos do primeiro recenseamento eleitoral do país –, são tesouros documentais raríssimos e cobiçados, para que um dia se possa preencher essa página praticamente em branco da história política e constitucional de Portugal.