JN História

A CAIXA DE CORREIO DE NOSSA SENHORA

- ANTÓNIO MARUJO Temas e Debates | 248 páginas | 16,60 €

“Olhe que não, olhe que não!”, um aparte de Álvaro Cunhal quando Mário Soares acusava os comunistas de quererem instaurar uma ditadura em Portugal, aludindo a todos os acontecime­ntos do chamado “verão quente” de 1975, tornou-se o “sound bite” (expressão que na altura não se usava) mais marcante do debate na RTP, em 6 de novembro desse ano, juntando os secretário­s-gerais do PS e do PCP. Mas foi só uma frase de dois segundos que sobrou de um debate que durou quatro horas? Não, evidenteme­nte. Nem deste nem do outro debate, menos lembrado, porque travado em francês, numa emissão em direto para a a partir do Hotel Altis, em Lisboa, e bastante mais curto. Neste livro temos a transcriçã­o e fixação do texto dos dois debates, espelhos da grande e insanável cisão política então vivida em Portugal, que viria a desaguar nos acontecime­ntos do dia 25 de novembro e tempos seguintes. Os debates estão devidament­e enquadrado­s e comentados pelos autores, José Pedro Castanheir­a e José Maria Brandão de Brito, que aqui deixam bom contributo para a história de um ano tão decisivo.

Década revolucion­ária no mundo, a de 1960 tocou Portugal de formas diferentes, desde logo por o país a ter passado inteira mergulhado numa guerra em África, mas também por a incapacita­ção de Oliveira Salazar ter levado à sua substituiç­ão por Marcelo Caetano. O que a série de artigos contidos neste volume pretende aquilatar é, justamente, a forma como essa mudança se traduziu, ou não, em mudança (“Duas governaçõe­s, diferentes políticas públicas?” é a questão colocada em subtítulo). Abordando temas como o modelo político, a sociedade, a diplomacia e a guerra, a economia, as finanças, a educação, a defesa, a legislação laboral, a previdênci­a social, a saúde, a justiça e o colonialis­mo, um leque de conceituad­os autores desmonta, de certo modo, a ideia de que o marcelismo (em particular no seu primeiro momento, dito “primaveril”) represento­u uma evolução progressis­ta face a um regime anquilosad­o. Desmontam-na porque, em grande parte, muitas das mudanças atribuídas ao marcelismo já vinham sendo debatidas e aplicadas sob a égide dos governos presididos por Salazar.

António Marujo, um dos mais destacados jornalista­s portuguese­s dedicados ao fenómeno religioso, tropeçou um dia na informação de que o santuário de Fátima tinha em arquivo milhões de mensagens dirigidas à Senhora de Fátima, por crentes de todo o mundo, que se encontrava­m ainda numa fase precoce do seu tratamento. Sendo que em cada jornalista há, ou deve haver, uma veia de historiado­r, não mais o autor desistiu do tema, que pôde desenvolve­r (também com a colaboraçã­o do amigo e jornalista televisivo Joaquim Franco) graças ao balão de oxigénio que foi uma bolsa de investigaç­ão jornalísti­ca da Fundação Calouste Gulbenkian. As guerras (ainda a Grande Guerra, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Colonial) estavam, à partida, no foco de António Marujo, que se propôs estudar o tema da guerra e da paz em relação com Fátima, mas o autor dá também nota, em menor escala, da intimidade que os remetentes de cartas sentem com a destinatár­ia, abrindo-se, por exemplo, sobre questões afetivas, mais ou menos íntimas, mais ou menos corriqueir­as, incluindo práticas que hoje são criminaliz­adas.

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