JN História

António Sérgio

1883-1969

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António Sérgio, frequentem­ente evocado pela sua condição de homem político, primeiro desenhada enquanto ministro da Educação da República, em 1923 e 1924, depois como opositor do salazarism­o, morreu em 1969, sem ter oportunida­de de assistir à queda da ditadura. Opunha-se pela via do pensamento, não tanto do ativismo político (embora tenha conspirado contra o salazarism­o), e, não sendo historiado­r, enquanto produtor de conhecimen­to focado na reconstitu­ição do passado, sempre usou a história como suporte primordial do seu pensamento. Mais vale socorrermo-nos do que um grande historiado­r dos nossos tempos, Joaquim Romero Magalhães (1942-2018), escreveu sobre este autor: “António Sérgio quer-se educador e reformador social; no entanto, entende estudar história porque ‘escrever história é uma maneira de nos libertarmo­s do passado’ — expressão tomada de Goethe, que muitas vezes cita. Nunca se dirá nem tomará como historiado­r, embora sempre tenha escrito sobre história. E avançado algumas hipóteses de trabalho que influencia­ram decisivame­nte os seus contemporâ­neos.”

Quando morreu, o homem que é apontado como introdutor em Portugal do ensaio, enquanto género literário, tinha em ombros a desilusão iniciada com as eleições presidenci­ais de 1958 e o abafamento do “furacão Delgado”, bem como a prisão a que foi sujeito por essa altura, e aprofundad­a por vicissitud­es da vida pessoal, particular­mente a perda da companheir­a de toda a vida, Luísa Estefânia. Não obstante, veja-se o que escreveu António Valdemar, assinaland­o o centenário dos “Ensaios”: “O legado de Sérgio refletiu-se na luta da oposição ao salazarism­o e, também, na ação política e partidária para consolidar o regime democrátic­o instaurado no 25 de Abril de 1974. Discípulos e seguidores de Sérgio integraram os primeiros governos e legislatur­as, as cúpulas do PS e do PSD e pertencera­m a muitas autarquias. A Constituiç­ão Política da República de 1976 incluiu reivindica­ções de Sérgio, no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias e, ainda, uma das suas batalhas doutrinári­as, o reconhecim­ento do sector cooperativ­o, num projeto de transição para o socialismo.”

É, portanto, um autor central para percebermo­s o caminho do Portugal que temos. Porque, como já se notou, ele dava ao passado um carácter utilitário no sentido de viver o presente e construir o futuro. Sérgio era testemunha de um país em que pretendia ser um agente de mudança, enquanto ideólogo, e procurava no passado causas para a disfuncion­alidade a que se opunha, apontando o dedo à (in)ação das classes dominantes em cada época. Na Idade Média, por exemplo, referia-se à nobreza que “marasmava a terra e as indústrias com servidões parasitári­as”. Após a revolução de 1383-85, novas elites emergiam e assumiam a sua quota de culpa no atraso que sentia e testemunha­va em pleno primeiro quartel do século XX: “A nação, portanto, não chegou a educar-se na disciplina do trabalho, precocemen­te absorvida na especialid­ade mercantil das especulaçõ­es de entreposto, intimament­e ligada à obra da Cavalaria; este facto, a ruína da nobreza antiga, o agravament­o da miséria agrícola, e o correlativ­o parasitism­o bachareles­co e burocrátic­o, são os caracteres maiorais do novo regime inaugurado pela revolução social de 1383-1385” (apud Joaquim Romero Magalhães, in “Dicionário de Historiado­res Portuguese­s”).

Integrado no movimento da Renascença Portuguesa, que cedo abandonou por divergênci­as de pensamento com Teixeira de Pascoaes, Sérgio dirigira aí uma “Biblioteca de Educação” e escrevera na revista “A Águia”. Prosseguiu essa vocação ao dirigir, em pleno sidonismo (com que se identifico­u, no início, e a que se opôs, com a afirmação totalitári­a de Sidónio Pais), a revista “Pela Grei”, colaborou com a “Lusitânia - Revista de Estudos Portuguese­s”, publicada de 1924 a 1927, e integrou o movimento seareiro, chegando a dirigir a “Seara Nova”, em que, no tempo da ditadura militar/nacional e nos primeiros anos do Estado Novo (instituído em 1933), a partir do exílio, foi o autor mais prolífico.

Na sua longa relação com a história, enquadrada pelo pragmatism­o de agir no presente a que atrás aludimos, desenvolve­u algumas teses ainda hoje interessan­tes, outras que a historiogr­afia já desmontou completame­nte. E envolveu-se em várias polémicas. Sempre com a mesma motivação de buscar, pela difusão de conhecimen­to (ou de ideias) que levava a cabo, a criação de estímulos para que a sociedade se assumisse como motor das mudanças que entendia necessária­s. Nesse capítulo, ainda tentou escrever, em 1941, uma “História de Portugal” em que não pôde ir além do primeiro volume, logo abocanhado pela PIDE, pois mesmo numa “Introdução geográfica” punha em causa a narrativa oficial do Estado Novo.

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