A circulação de manuscritos jurídicos iluminados europeus em Portugal, da Idade Média à contemporaneidade
Num significativo texto publicado em 1983, no 1.º volume, reservado à Idade Média, do catálogo da exposição “Os descobrimentos portugueses e a Europa do Renascimento”, José Mattoso sublinhou o papel desempenhado pela cultura escrita e pelos livros como tecido conjuntivo e fator determinante de inclusão de Portugal no espaço cultural europeu. Em particular, o ilustre historiador destacou, neste contexto, a importância dos fenómenos de mobilidade geográfica, cultural e intelectual, e de circulação dos livros, que favoreceu a clara emergência de uma dimensão europeia da cultura portuguesa já na época medieval.
O estudo de manuscritos e fragmentos jurídicos iluminados preservados em bibliotecas portuguesas, realizado ao longo dos últimos 12 anos no âmbito de dois projetos de investigação, constituiu a oportunidade para confirmar o que foi escrito por Mattoso, através de novas descobertas e análises dirigidas ao estudo de um ponto de vista histórico-artístico dos manuscritos jurídicos iluminados estrangeiros, em particular italianos e franceses. Estes últimos fornecem elementos importantes de reflexão, úteis para ajudar a esclarecer melhor o cenário dos laços culturais que ligaram Portugal à Península Itálica e à França, na Idade Média, e também as dinâmicas e as modalidades através das quais foram postas em prática aquelas circulações artístico-culturais e jurídicas, que na época em causa envolveram e conectaram esses territórios.
1 Os manuscritos jurídicos iluminados bolonheses
Entre os exemplares mais interessantes encontrados, destaca-se um fragmento iluminado conservado hoje na Biblioteca Pública de Évora (Pergaminhos avulsos, pasta 1, n.º 97). A coleção a que pertence este precioso documento é composta por fragmentos de manuscritos que outrora foram reaproveitados como capas dos registos do arquivo notarial de Évora. Estes registos eram livros que continham escrituras notariais (certidões, doações,