Novidades e outras leituras
PORTUGAL – O SABOR DA TERRA JOSÉ MATTOSO | SUZANNE DAVEAU | DUARTE BELO Temas e Debates | 692 páginas | 24,90 €
O que aqui temos de novidade é “apenas” a revisitação de um clássico incontornável. Trabalho concertado de um historiador, uma geógrafa e um fotógrafo, “Portugal - O Sabor da Terra”, dado originalmente à estampa em 1998 e reeditado em 2010, é agora devolvido, com roupagem de capa dura, às livrarias de onde terá de passar às bibliotecas de quem questiona a existência de Portugal, as diferenças em Portugal, as persistências de comportamentos ancestrais em Portugal, os modos como o Portugal físico, ou territorial, influiu no verdadeiro Portugal, que é uma construção humana. Do prefácio dos autores à edição de 2010, extraímos um excerto do qual ressuda toda a importância desta obra: “Apesar de a etnografia se tornar uma disciplina cada vez mais ‘arqueológica’, nem por isso se podem esquecer os dados que fornece, aliados aos da geografia e da história regional. Por outro lado, há uma história nacional que só se compreende devidamente quando se tem presente a diversidade de comportamentos próprios das regiões, e a influência que estes tiveram nas alterações de rumo do país.”
BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL - A ERA CONTEMPORÂNEA (1807-2020) RAQUEL VARELA | ROBERTO DELLA SANTA Bertrand | 536 páginas | 22,20 €
Evidentemente, o título deste trabalho é legítimo, mas quem o tomar à letra e agarrar o livro sem o folhear, ou sem ter noção do que vem sendo o afã dos autores, seja historiográfico ou de investigação aplicada à atualidade, designadamente em torno das condições de trabalho, terá algumas surpresas: não estamos perante uma síntese da história contemporânea de Portugal, nos moldes em que normalmente a esperaríamos. É aceitável, e até saudável, que os autores, no espaço de uma introdução, deixem uma declaração de intenções: “Esperamos que este livro nos ajude a interpretar. Mas também a transformar a sociedade em que nos coube viver, e daí, por fim, quiçá transformarmo-nos a nós próprios”. Conquanto exista, como aqui sucede, clareza na conceptualização e na metodologia, não estamos perante um viés, mas perante uma abordagem distinta da que será feita por historioradores com diferentes posicionamentos políticos. Esta história do Portugal contemporâneo tem raiz marxista, foca-se especialmente nos “de baixo”, na luta de classes ou no carácter transformador das revoluções. Com todo o direito.
HISTÓRIA(S) DO ESTADO NOVO MARCELO TEIXEIRA Clube do Autor | 384 páginas | 20,00 €
Esta(s) “História(s) do Estado Novo” surgiu/surgiram pela primeira vez, no mercado editorial português, em 2012. É, assume-o o autor com toda a clareza, uma obra de divulgação destinada a um público alargado, que, pela clareza da sua organização, centrada em episódios, personagens e citações e cumprindo um percurso diacrónico, traça uma muito completa panorâmica da mais longa ditadura do século XX na Europa ocidental. O ponto de partida é o ano de 1933, em que o Estado Novo foi formalmente instituído pela Constituição que Oliveira Salazar fez “referendar”, a meta é 1974, quando o Movimento das Forças Armadas fez cair o autoritarismo instalado desde 1926. Não se pretende (nem poderia, na exiguidade de um volume como este) fazer a análise histórica aprofundada da longa cronologia, mas cumpre-se um outro objetivo de grandes validade e mérito: propiciar aos leitores de todas a gerações um guia que os transporte pelas ditaduras de Salazar e Marcelo Caetano, abrindo portas para que cada um, conforme as suas apetências, possa querer, noutros lados, saber ainda mais sobre estes assuntos.
A HORA DOS LOBOS – A VIDA DOS ALEMÃES NO RESCALDO DO III REICH HAROLD JÄHNER D. Quixote | 550 páginas | 22,90 €
Um recorrente problema relativo à história é a predominância da perspetiva dos vencedores face à dos vencidos, pelo que edições como esta são sempre de saudar. “Aquilo que mantivera os Alemães unidos até ao fim da guerra sofrera – felizmente – uma rutura total. A velha ordem desaparecera, uma nova estava escrita nas estrelas e, por ora, as necessidades básicas eram supridas pelos Aliados. Dificilmente se poderia chamar sociedade aos cerca de 75 milhões de pessoas que, no verão de 1945, se encontravam reunidos naquilo que restava do território alemão.” – É esse panorama o ponto de partida para esta extensa crónica dos dez anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Não só o autor, escritor e jornalista consagrado, mostra como do caos absoluto se reergueu a Alemanha, abrindo, a custo, caminho ao estatuto que hoje lhe reconhecemos, como proporciona aos leitores uma abordagem rara: é muito mais conhecido e tratado, fora da Alemanha, o fenómeno de ascensão do nazismo do que este outro fenómeno, o de criar uma outra vida após o nazismo, num mar de contradições, anarquia e pilhagens.
A GRANDE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES PETER FURTADO (EDIÇÃO) Clube do Autor | 336 páginas | 19,50 €
O tipo de advertência que, na páginas anterior, se fez a propósito do livro “História(s) do Estado Novo” tem de ser aqui repetido, embora estejamos perante um conceito distinto: os 24 capítulos dedicados a outros tantos fenómenos revolucionários, do século XVII ao século XXI, não propiciam, nem poderiam propiciar, conhecimento profundo sobre esses acontecimentos, mas abrem portas a que tal aprofundamento suceda. Neste caso, o organizador do volume, historiador e jornalista que dirigiu a revista de divulgação histórica britânica “History Today”, entregou os capítulos a especialistas e complementou o livro com bibliografia complementar para cada uma das revoluções. Por exemplo, o capítulo dedicado ao 25 de Abril está a cargo do conhecido historiador português radicado na Irlanda Filipe Ribeiro de Meneses. Tratando-se de um capítulo de livro pensado para leitores estrangeiros, dificilmente surpreenderá o público português. Todavia, os leitores portugueses são estrangeiros relativamente a todos os outros capítulos, pelo que a leitura será, de um modo geral, bastante proveitosa.
AQUALTUNE – A PRINCESA DO KONGO MANUELA GONZAGA Bertrand | 496 páginas | 19,90 €
Sem o ser de facto, este romance histórico é (espiritualmente, se quisermos) uma obra a quatro mãos: as da autora, historiadora e ficcionista, e as da sua amiga Isabel Valadão, escritora que começou por ter em mãos a história de Aqualtune, mas acabou por transferir para Manuela Gonzaga a empreitada. O Kongo, grafado com K para distinguir o reino africano dos países em que resultou (abarcava as atuais República do Congo e República Democrática do Congo, bem como Cabinda e outros territórios de Angola), é palco desta narrativa, invulgar na medida em que dificilmente travamos hoje contacto com as realidades de reinos africanos pré-coloniais (a ação decorre no século XVII, e a presença do “homem branco” ainda não obedecia à lógica colonial que ocorreu na contemporaneidade) e as suas complexas lógicas de poder, assentes em redes escravocratas e com a presença constante de europeus e da Igreja Católica. Tudo cruzado com ingredientes romanescos, como as histórias de paixões proibidas e amores de trágicas consequências, com a sabedoria de quem sabe urdir uma boa trama sem transigir no rigor histórico.