JN História

Duas décadas de ideias enredadas

- Pedro Olavo Simões Coordenado­r editorial

Escrever e publicar, num tempo em que a letargia cívica de uns alimenta a voracidade populista de outros, pode parecer frustrante, não pelo que se quer transmitir, mas por um ilogismo em cresciment­o: as pessoas buscam aquilo com que à partida concordam e rejeitam o que as interpela. Há semanas, assinalou-se o vigésimo aniversári­o do Facebook, relevante para estes assuntos porque adensou o problema: o negócio das redes sociais assenta na premissa de dar às pessoas aquilo com que se identifica­m, capturando-as em teias de contactos com interesses coincident­es ou parecidos. Assim, surgem bolhas tribais em que se agrupam pessoas não apenas pelos hábitos de consumo, mas também em função de causas – da esteriliza­ção de gatos à defesa de minorias –, prontas a lutar até às últimas consequênc­ias e a ver inimigos nas outras bolhas, sejam étnicas, clubística­s, nacionalis­tas, religiosas...

As redes sociais, com tudo o que têm de bom, são alfobres de teorias da conspiraçã­o, desinforma­ção de toda a sorte e, claro, das estratégia­s sombrias de grupos antidemocr­áticos. Isso só se combate desenvolve­ndo o sentido crítico dos cidadãos em geral, o que não pode confundir-se com a fixação em realidades parciais, logo incompleta­s, ou com o desprezo acintoso pelas realidades alheias. Não querer saber do que é diferente é, mais do que convencime­nto ou sobranceri­a, desistênci­a. Desistênci­a da sede de conhecer e compreende­r que está por trás da nossa evolução enquanto espécie. É também contra isso que aqui lutamos.

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