Jean-François Champollion
1790-1832
Champollion, falamos de Jean-François e não do seu irmão mais velho arqueólogo, Jacques-Joseph, não era historiador, mas filólogo. Todavia, deu à história um contributo mais notável do que carradas de profissionais do ofício: ao dar o passo decisivo para a decifração da escrita hieroglífica, espalhou sobre civilização do Egito Antigo um halo de luz comparável ao que emana de Ra, o deus Sol.
Na verdade, é mais comum apontar Jean-François Champollion como egiptólogo, não tanto como filólogo ou linguista. Muitos veem nele, aliás, o pai de todos os egiptólogos, pois o trabalho que desenvolveu com a chamada Pedra de Rosetta – estudada previamente pelo britânico Thomas Young (1773-1829) – abriu portas à compreensão de uma escrita que sem essa chave epigráfica poderia estar condenada a ser eternamente enigmática. O carácter único desse artefacto é o facto de conter um mesmo texto não apenas em hieroglifos, mas também em grego e ainda em egípcio demótico, uma escrita de uso corrente quotidiano existente desde o século VII a.C. Obviamente, o grego antigo foi a chave para a compreensão, e o seu uso decorria do tempo em que no Egito reinou a dinastia ptolomaica (dinastia grega, nascida de um dos generais de Alexandre, o Grande, da qual a figura mais célebre foi Cleópatra VII Filopator). Uma das conclusões tiradas por Champollion foi, aliás, a de que o trecho em hieroglifos era uma tradução do original grego e não o inverso, como antes se acreditava. Mas não foi esse o detalhe mais importante. Young, que era um físico e não um linguista, havia dado alguns passos timoratos ao cotejar as escritas grega e hieroglífica, mas estava a milhas da verdadeira compreensão avançada por Champollion, ao estabelecer naturezas diferentes para os hieroglifos: os caracteres podiam ser alfabéticos, como letras, silábicos, está o nome a dizer o que isso significa, ou ideográficos, isto é, pictogramas representando ideias, objetos, palavras... Sem a perceção dessa complexidade, descoberta por um jovem de pouco mais de 30 anos (Champollion veio a ter uma vida breve), as gerações seguintes de egiptólogos não teriam alcançado os avanços que vieram a conseguir.
Como tantas vezes sucede, em qualquer ramo da ciência, àqueles que brilhantemente rasgam caminhos até então inéditos, Champollion foi alvo de críticas, por vezes severas ou até violentas, por parte de vários outros académicos, mas isso não o demoveu da total dedicação a um tema que o atraía desde muito jovem. Nascido em pleno fulgor revolucionário na Occitânia, mas numa família originária da região de Auvérnia-Ródano-Alpes, Jean-François foi em boa parte criado pelo irmão mais velho a que já aludimos. A influência de Jacques-Joseph foi particularmente notória na educação do benjamim, que colocou sob a orientação do abade Dussert, então um conhecido pedagogo em Grenoble, que o encaminhou para o estudo de letras e línguas: primeiro o latim e o grego, como é compreensível sob a orientação de um clérigo católico, mas depois evoluindo para outras línguas antigas, como o hebraico, o árabe, o siríaco ou o caldeu. Do irmão recebeu o gosto pela arqueologia e pela história. Na verdade, apesar de termos começado por negar a condição de historiador a Champollion, a verdade é que o primeiro emprego deste homem foi como professor de História no liceu de Grenoble, de de 1809 a 1816. E sempre o moveu o fascínio pelo Próximo Oriente, que facilmente desaguou numa quase obsessão por tudo o que pudesse respeitar ao Egito dos faraós. “De todos os povos que mais admiro, posso garantir-vos que nenhum supera no meu coração o peso dos egípcios”, escrevia, já em 1806, numa carta aos seus pais.
A decifração da Pedra de Rosetta, que atrás descrevemos da forma ultrassintética que pode caber numa nota biográfica como esta, não lhe valeu apenas contestação, como é óbvio, dela resultando (e dos estudos que foi publicando a partir de 1821) inegável prestígio. Em 1826, foi nomeado conservador da coleção egípcia do Museu do Louvre, dois anos mais tarde chefiou uma expedição ao Egito, em 1931 assumia a cátedra de Antiguidade Egípcia no Collège de France, criada especificamente para ele próprio. Já então a saúde dele se encontrava em situação muito precária. Sofrendo de gota e tuberculoso, vira a sua condição agravar-se seriamente depois da atrás referida deslocação ao Egito (onde terá também sido infetado por parasitas – esquitossomose ou bilharzíase), pois teve de cumprir quarentena em Toulon em condições muito desadequadas de frio e humidade. Porém, embora não haja certezas a esse respeito, é provável que a sua morte, no dia 4 de março de 1832, em Paris, tenha sido provocada pelo surto de cólera que por essa altura se abateu sobre a capital francesa. Tinha apenas 41 anos, mas uma vida cheia como poucas.