03 O TESTEMUNHO DOS JOVENS INVESTIGADORES
de centenas de correções efetuadas semanalmente, num processo de diálogo escrito, sempre registado em instrumentos próprios, conservados na drive do projeto.
A validação dos dados online beneficia também do contributo dos investigadores associados do projeto. Esta colaboração constitui-se como um dos aspetos mais importantes do processo de revisão de informação e de readequação da funcionalidade da própria base de dados. As pesquisas livres permitem identificar e até antecipar possíveis problemas, propor, desenvolver e testar soluções, num esforço de melhoria contínua que prevê, acima de tudo, a disponibilização de um instrumento de trabalho que faculta metainformação descritiva de forma estruturada e confiável.
Garantir perenidade do acesso
Um dos principais objetivos do projeto é garantir o acesso continuado à informação digital recolhida e estruturada em ambiente seguro, autêntico e confiável, por parte da comunidade nacional e internacional, para além do tempo de execução e de financiamento do VINCULUM.
A base de dados construída com recurso ao AtoM terá como ferramenta de preservação digital o software Archivematica, garantia de que a metainformação descritiva e os objetos digitais associados permanecerão autênticos e confiáveis e, sobretudo, acessíveis e pesquisáveis no longo prazo. Também se pretende que o Vinculum Information System Guide, anexo à base, o site principal do projeto e os dados de investigação, se constituam como fontes de informação complementares, a serem preservados e disponibilizados, segundo as melhores práticas de preservação digital. Facultar-se-á assim ao utilizador a compreensão dos caminhos seguidos e das opções tomadas, podendo-se contribuir, também, para novos projetos e novos caminhos de investigação.
O quotidiano entre papéis
A investigação histórica pode parecer misteriosa a quem não está familiarizado com ela. Os arquivos tendem a ser vistos como espaços paralelos à realidade, locais escuros repletos de fantasmas que vão sacudindo poeiras de velhas memórias. Para nós, são espaços de confronto com gentes, práticas e mentalidades soterradas pela velocidade do tempo, subitamente avivadas nas nossas conversas e dúvidas; e tornaram-se, com o projeto VINCULUM, locais de estudo e reflexão sobre o mundo dos morgadios e capelas.
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo tem sido a nossa casa desde novembro de 2022. Semana após semana, dedicámo-nos a descrever e analiria, sar os 167 tombos de capelas do Hospital de S. José, nos quais estão copiados documentos referentes à fundação e administração de vínculos nas igrejas e conventos de Lisboa e arredores. Empresa gigantesca, a produção destes tombos data do início da década de 1750, inserindo-se numa reorganização do arquivo da Provedoria das Capelas de Lisboa, órgão que superintendia o modo como aquelas eram geridas. A par desses livros, foram consultados tombos de capelas de conventos em Lisboa, e uma variedade de outra documentação, para terminarmos nos arquivos de família.
Para enfrentarmos este labirinto documental, têm sido essenciais os conhecimentos adquiridos nas áreas da históda paleografia e da diplomática. O domínio destas duas últimas ciências, que estudam as escritas antigas e a estrutura formal dos documentos, tem-nos permitido navegar com alguma rapidez entre várias páginas, até alcançarmos as informações pretendidas.
Alimentando uma base em crescimento veloz
Cada documento relacionado com a instituição ou administração de vínculos anteriores ao século XVIII é devidamente resumido e registado numa tabela de recolha em Excel. A partir dela, selecionamos o que será inserido na base de dados e elaboramos sumários documentais em inglês. Seguimos uma matriz de preenchimento durante a inserção, o que contribui para a uniformização dos conteúdos da base. A duração deste processo varia em função do grau de complexidade dos documentos disponíveis: não é igual depararmo-nos com testamentos em que se referem as cláusulas sucessórias e os encargos pios instituídos em verbas incompletas, onde as intenções dos agentes estão parcialmente omissas, ou com sentenças extensas e processos judiciais intrincados. A nossa capacidade de leitura e de interpretação das fontes é sempre posta à prova.
Todo este procedimento complexifica-se quando nos deparamos com lapsos nas cópias dos documentos, levando, muitas vezes, a que tenhamos de recorrer a outras fontes e bibliografia para identificar a natureza do erro.
Em média, cada um de nós insere por semana dez vínculos, a que podem corresponder várias dezenas de documentos e registos de indivíduos produtores, não contando com edições feitas, amiúde, a registos já criados. No último ano, inserimos cerca de dois mil novos vínculos, o que se traduziu na criação de milhares de registos de documentos e pessoas!
Trabalho de bastidores
Paralelamente à recolha no arquivo,
nos bastidores outro trabalho, que visa auxiliar os utilizadores da base e permitir o acesso a todas as tarefas que precederam a introdução dos vínculos. O surgimento de dúvidas na recolha e interpretação documental obriga-nos a formular questões e a esperar por respostas da coordenadora do projeto, ficando todo o processo registado para posterior justificação das decisões tomadas. A documentação sumariada que não é inserida na base é anotada em fichas de Excel específicas. Todas as sextas-feiras enviamos relatórios do trabalho semanal que são revistos por quem corrige os registos inseridos da base, de forma a garantir que não se propagam erros e que a boa qualidade do trabalho se mantém.
Dados fora da base: novos contributos para as ciências
Quando se sumariam documentos numa base de dados, nem sempre é possível traduzir a riqueza de informação com que nos deparamos e manter, ao mesmo tempo, a concisão e o rigor das regras de descrição arquivística. Para assegurar que alguma dessa riqueza não se perde e que os futuros estudiosos e utilizadores da base a poderão utilizar, recolhemos excertos em ficheiros de texto, que indexamos tematicamente.
Entre os documentos em que abundam excertos curiosos encontram-se os testamentos. Vislumbrando a proximidade do fim, muitos instituidores aproveitavam para fazer um balanço da sua vida: lembravam parentes e amigos, desavenças e tragédias famidesenvolve-se liares, deixavam conselhos e faziam confissões... No mesmo testamento em que fundava um vínculo, um testador confessava ter feito “travessuras” às suas três mulheres. Numa situação análoga, outro testador declarava que, “levado pelas criadas”, assassinara a esposa numa crise de ciúmes! Em doações ou contratos de instituição de capelas, podem, ainda, surgir detalhadas descrições de objetos do quotidiano, de sumptuosas capelas e de numerosas propriedades.
Vários dos excertos documentais que temos compilado deverão ficar reunidos numa antologia de fontes, que iremos preparar com o intuito de fornecer uma nova ferramenta a alunos e investigadores na área das ciências sociais.