Recensão Derrubar mitos ou criar outros mitos? – As novas “Erratas à História de Portugal
No último Natal, o meu filho Luís Filipe ofereceu-me o livro de Nuno Palma As causas do atraso português. Repensar o passado para reinventar o presente (Lisboa: D. Quixote, 2023), com o convite para que me pronunciasse sobre ele com o meu juízo crítico. Pensando tratar-se de um livro de economia ou de história económica, achei – porque não é a minha especialidade – que deveria limitar-me a uma leitura em diagonal. Todavia, a partir de certo momento não só iniciei uma leitura na horizontal, linha a linha, como anotei o livro em quase todas as páginas.
Começo por dizer que a obra, apesar de se apresentar como de divulgação (p. 295) não deixa de ser uma obra com uma composição académica, o que está de acordo com o curriculum vitae do seu autor (professor na Universidade de Manchester, onde há muito proferi uma conferência). Por isso, e por ser publicada por uma das editoras mais conhecidas no país, comecei por estranhar que logo na capa viesse escrita dentro de um balão vermelho, em caracteres brancos, uma sentença de um jornalista que, apesar de eu admirar o modo como escreve as suas crónicas de opinião no Público, discordando muitas vezes do conteúdo, não é obviamente um especialista na área, mas sim um ideólogo que defende com frontalidade os seus pontos de vista liberais. Nesse balão está escrito com a sua assinatura (João Miguel Tavares, em maiúsculas): “Uma máquina de triturar mitos. Absolutamente essencial”.
Mas também encontrei na contracapa várias afirmações de académicos que têm feito carreira em Portugal e no estrangeiro, os quais deram cobertura ao livro, de que me permito destacar duas:
A de José Eduardo Franco, que tem tentado consagrar em livros o conceito de “História Global” (que discuti
numa longa recensão publicada na Revista de História das Ideias tendo como objeto a História Global de Portugal, que codirigiu), o qual escreveu sobre esta obra, de uma forma espetacular, o seguinte: “Uma pedrada no charco de algum unanimismo académico ou acriticismo cultural que tem secado o debate crítico sobre a História de Portugal e dos nossos mitos e juízos simplificados”. Disse “espetacular” porque não entendo sobretudo o tal “unanimismo” de que fala.
A segunda reflexão que destaquei é mais sóbria e construtiva, da autoria de Susana Münch Miranda, do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (onde estive em mais de cinquenta júris de provas universitárias), que anuncia: “As interpretações do autor certamente gerarão debate e poderão trazer novos públicos à História de Portugal e à História Económica”.
É, com efeito, na condição de historiador da cultura e das ideias políticas que venho a público refletir sobre a obra, esperando que os historiadores de história económica também o façam. De resto, o autor assim o deseja, como diz no fim do livro, dando mesmo o seu email para lhe serem enviados comentários (p. 295). Não o faço por essa via, mas de uma forma aberta, porque entendo que, por vários motivos, a obra me obriga a fazer essa reflexão, assim como sucedeu, através de um artigo do Público, a propósito de uma intervenção de Nuno Palma num colóquio do Movimento Europa e Liberdade (“E se só a Ciência for revolucionária?”, in Público, 28 de Junho de 2021, p. 10).
Começo pelo fim da obra referida, que é afinal para Nuno Palma o princípio, ou seja, o capítulo 10, “A época contemporânea”, englobado na parte II do livro, “Portugal: uma interpretação”, e pelo “Epílogo: Crónica de uma letargia anunciada”. Nesses textos, o autor defende e sintetiza as teses conhecidas no mundo político e económico pelo conceito “neoliberalismo”, mas que mais precisamente afirma com a expressão “economia de mercado”, de que Portugal (segundo diz)