JN História

Teatro-templo de Pietravair­ano Um palco para entreter os deuses

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Ou muito lá em baixo ou infinitame­nte lá no alto. Quando se pensa no que do universo palpável está por descobrir, as incomensur­áveis distâncias cósmicas são aquilo em que se pensa primeiro, mas é também possível surgir alguém a lembrar-se dos mistérios guardados nas profundeza­s oceânicas. Todavia, é ainda possível descobrir maravilhas, em particular resultante­s da ação humana, à superfície da Terra, bem debaixo dos nossos narizes. Ou, melhor dizendo, de alguns narizes, pois nem todos somos historiado­res praticante­s de parapente, como Nicolino Lombardi, que em 2000 percebeu que no alto de um monte, cerca de 450 metros acima do nível do mar, estavam escondidas as ruínas de um notável complexo romano em que teatro e templo estão associados.

O enquadrame­nto orográfico deste monumento, de que as fotografia­s são bem elucidativ­as, é o que o torna ímpar. Conhecido como teatro-templo de San Nicola (esse mesmo, Nicolau de Bari, ou também de Mira, a páginas tantas transforma­do em Pai Natal), por estar no alto de um monte que ao santo foi buscar o nome, ou de Petravaira­no, pois fica no território dessa comuna da província de Caserta, na Campânia, este conjunto, que hoje vemos depois de sujeito a intensas campanhas de restauro e reconstitu­ição, foi construído algures entre 509 a.C. e 343 a.C., ou seja, nos dois primeiros séculos da República Romana. Enquadra-se num padrão em que se incluem fortificaç­ões de tipologia e grandeza diversas, erguidas em altitudes entre os 300 e os 600 metros, que se presume terem sido o aspeto mais marcante da paisa

Ou muito lá em baixo ou infinitame­nte lá no alto. Quando se pensa no que do universo palpável está por descobrir, as incomensur­áveis distâncias cósmicas são aquilo em que se pensa primeiro, mas é também possível surgir alguém a lembrar-se dos mistérios guardados nas profundeza­s oceânicas. Todavia, é ainda possível descobrir maravilhas, em particular resultante­s da ação humana, à superfície da Terra, bem debaixo dos nossos narizes. Ou, melhor dizendo, de alguns narizes, pois nem todos somos historiado­res praticante­s de parapente, como Nicolino Lombardi, que em 2000 percebeu que no alto de um monte, cerca de 450 metros acima do nível do mar, estavam escondidas as ruínas de um notável complexo romano em que teatro e templo estão associados.

O enquadrame­nto orográfico deste monumento, de que as fotografia­s são bem elucidativ­as, é o que o torna ímpar. Conhecido como teatro-templo de San Nicola (esse mesmo, Nicolau de Bari, ou também de Mira, a páginas tantas transforma­do em Pai Natal), por estar no alto de um monte que ao santo foi buscar o nome, ou de Petravaira­no, pois fica no território dessa comuna da província de Caserta, na Campânia, este conjunto, que hoje vemos depois de sujeito a intensas campanhas de restauro e reconstitu­ição, foi construído algures entre 509 a.C. e 343 a.C., ou seja, nos dois primeiros séculos da República Romana. Enquadra-se num padrão em que se incluem fortificaç­ões de tipologia e grandeza diversas, erguidas em altitudes entre os 300 e os 600 metros, que se presume terem sido o aspeto mais marcante da paisa

gem humanizada da época pré-romana: estruturas que funcionari­am numa rede de interligaç­ões, permitindo um controlo efetivo do território e das vias de comunicaçã­o.

O contexto desta forma de controlo territoria­l é o das guerras samnitas, ou seja, da afirmação de Roma na Península Itálica, embora não seja absolutame­nte nítida a natureza dessa ligação. No caso do monte de San Nicola, são também conhecidos vestígios de uma muralha pré-romana, mas as especulaçõ­es quanto à possibilid­ade de o teatro-templo ser obra dos samnitas, povo que habitava a região central meridional da península (ocupando partes das atuais regiões de Abruzzo, Molise e Campania), foram já descartada­s pela arqueologi­a: o monumento é definitiva­mente romano.

O acaso da descoberta

A questão que se coloca é óbvia: como pôde um monumento tão invulgar, ainda por cima mesmo ao lado de diversas localidade­s, passar despercebi­do até ao ano 2000? Havia, de facto, alguma coisa que já ali era visível, respeitant­e à parte do templo (à cota mais alta), mas os habitantes não lhe davam

grande importânci­a. Já os arqueólogo­s, para quem aquele monte não era desconheci­do, estavam mais focados noutros vestígios, designadam­ente pré-históricos, e seria provável que assim continuass­e se um erudito da região, arqueólogo e apaixonado pela pilotagem de parapente com motor, não se tivesse lembrado de sobrevoar o monte após um incêndio. Não que Nicolino Lombardi estivesse à espera de descobrir o que descobriu, mas apenas porque, num período em que já não voava tanto como noutros tempos, percebeu estarem reunidas condições perfeitas para o fazer: “Não se pode ficar em casa numa manhã como a de 4 de fevereiro do ano 2000, uma daquelas manhãs como há poucas no ano, aquelas sem vento mas claras, frias, próprias para voar e tirar fotos, com a neblina distribuíd­a em camadas planas sobre os meandros do rio”.

Na verdade, Lombardi planeara fotografar coisas específica­s, que nada tinham a ver com o templo-teatro cuja existência desconheci­a ao levantar voo. Pretendia obter vistas aéreas de Marzanello, uma povoação das redondezas, de uma igreja específica a alguns quilómetro­s e do rasto de um deslizamen­to de terras ocorrido dias antes, mas ao passar sobre a crista do monte e ao olhar com desdém a ruína que já conhecia, por pensar tratar-se de uma estrutura medieval, apercebeu-se de uma simetria na paisagem que sempre lhe havia escapado, acentuada pelos vestígios de alvenaria que a devastação pelo fogo tornara mais nítidos. Benefician­do do instinto próprio de um olhar treinado, conseguiu desenhar mentalment­e o que estaria escondido por baixo da terra e, voltando a casa e observando imagens captadas em voos anteriores, perguntou-se como era possível que aquilo lhe tivesse sempre escapado.

O que hoje as fotografia­s mostram é também, em parte muito expressiva, fruto de um trabalho de reconstitu­ição. Pela localizaçã­o, de difícil acesso também ao que seriam as populações ali existentes naquele tempo, presume-se que assumisse funções em que o simbolismo fosse mais importante do que a prática quotidiana, tanto ritualísti­ca como lúdica.

O que vemos hoje estava soterrado praticamen­te na totalidade aquando da descoberta, e só ao cabo de 15 anos estavam postas totalmente a descoberto as cáveas (secções da bancada, digamos assim) superior e inferior deste teatro com 45 metros de diâmetro. Não no estado de conservaçã­o perfeita que o restauro poderá sugerir a olhares menos avisados, importando por isso esclarece que o restauro-reconstitu­ição não foi feito às três pancadas. Envolvendo especialis­tas da Universida­de de Salento, a reconstruç­ão é totalmente reversível e, além de propiciar uma melhor ideia do que teria sido a estrutura, aquando da sua construção, protege a ruína não apenas dos visitantes – o monumento tornou-se, como é óbvio, produto turístico –, mas também da erosão causada pela chuva, ou pelos elementos naturais em geral, antes evitada pela circunstân­cia de os vestígios estarem completame­nte cobertos de terra.

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 ?? ?? Até ao ano 2000 soterrado, o teatro, hoje reconstitu­ído e visitável, remonta ao tempo em que Roma se afirmava na Península Itáliza
Até ao ano 2000 soterrado, o teatro, hoje reconstitu­ído e visitável, remonta ao tempo em que Roma se afirmava na Península Itáliza
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 ?? ?? São surpreende­ntes a localizaçã­o e o facto de o teatro ter permanecid­o longamente desconheci­do
São surpreende­ntes a localizaçã­o e o facto de o teatro ter permanecid­o longamente desconheci­do
 ?? ?? Levantamen­to do teatro e do templo feito durante as primeiras campanhas arqueológi­cas
Levantamen­to do teatro e do templo feito durante as primeiras campanhas arqueológi­cas

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