Novidades e outras leituras
TRÊS DITADURAS NA EUROPA OCIDENTAL
ISABEL DO CARMO | KOSTIS KORNETIS | SOFIA RODRÍGUEZ D. Quixote | 656 páginas | 32,90 €
Assinada por três pessoas, uma médica portuguesa, um historiador grego e uma historiadora espanhola, esta volumosa obra – dois terços da qual, grosso modo, são dedicados ao caso português – foca pessoas que nasceram nos anos 30 e 40 do século passado, vindo a ser nos seus países (os países dos autores), revolucionários nas décadas de 1960 e 1970, contribuíndo para o fim das ditaduras em que nasceram. Dos três, só a portuguesa Isabel do Carmo, endocrinologista e professora universitária conhecida também pelo que foi a sua faceta revolucionária, se enquadra pessoalmente, pela idade e pelo percurso, nesse universo de retratados, embora não seja dela própria que aqui se fala. Recorrendo a fontes escritas, à história oral e tendo como baliza final 1974 (ano de passagem para a democratização em Portugal e na Grécia, não ainda em Espanha), esta síntese ilustrada com histórias de vida assume especial importância num tempo em que, por esse mundo fora, continua a haver terreno para saudosistas de regimes repressivos que, em muitos casos, nem sabem bem porquê. Podem perceber lendo este livro.
GUERRA SANTA E GUERRA JUSTA – UM DESÍGNIO MEDIEVAL? ANTÓNIO HORTA FERNANDES Publicações A Ferro e Aço | 424 páginas | 21,00 €
Poucas épocas históricas serão tão dadas a lugares-comuns, tantas vezes errados, como a imensidão cronológica a que chamamos Idade Média. Um deles é o que reduz esse período de dez séculos à trágica tríade das fomes, pestes e guerras. Tendo havido umas e outras e outras, qualquer pessoa minimamente informada nestas coisas sabe que não as podemos indicar como fio condutor de um período tão rico e diverso, cheio de tantas coisas boas e más. Porém, será mais fácil se entendermos a guerra, ou o belicismo, como uma característica identitária e estruturante das sociedades do Ocidente medieval, algo que António Horta Fernandes, professor e investigador da Universidade Nova de Lisboa, desmonta neste livro. Não se trata, obviamente, de negar a mais do que evidente persistência da guerra ao longo desse milhar de anos, mas de clarificar que essas sociedades não faziam a apologia da guerra, antes da paz, enquanto garante da ordem política desejada por Deus. A guerra surgia como medida necessária a repor essa ordem, no pressuposto de que um qualquer antagonista punha em causa o desígnio divino.
MAPA COR DE SANGUE RUI CARDOSO Oficina do Livro | 160 páginas | 15,90 €
O cenário é o das Invasões Francesas (1807-1810), os protagonistas são os portugueses. O povo, seja o povo o que for. É nesse contexto, em que a resistência patriótica ao invasor (que alegadamente queria espalhar à Europa a onda revolucionária nascida em França) pode ser entendida, em determinados aspetos, como prelúdio do liberalismo que chegaria alguns anos depois, ao motivar revoltas sociais contra a ordem de Antigo Regime, que o jornalista Rui Cardoso assenta esta síntese, de uma ponta a outra pintada com sangue. Essa mancha vermelha alastrando pelo mapa do reino não resultava em exclusivo, como é óbvio, da revolta das populações, sendo muito relevantes, por exemplo, os testemunhos postos posteriormente por escrito por oficiais das tropas napoleónicas, dando conta dos tremendos excessos cometidos pela soldadesca contra a população portuguesa. As Invasões Francesas surgem aqui também, claro, como primeiro capítulo (o prólogo havia sido a Guerra das Laranjas) de toda a violenta história da primeira metade do século XIX português, que foi tratada na edição N.º 22 da JN História.
AS FÚRIAS DE HITLER: MULHERES NAZIS NOS CAMPOS DO HOLOCAUSTO
WENDY LOWER
Casa das Letras | 320 páginas | 18,90 €
Wendy Lower, historiadora americana, tropeçou em documentos, numa viagem de trabalho à Ucrânia, em 1992, que a motivaram a estudar a participação ativa de mulheres nazis no Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. E veio a perceber, depois, que esse papel havia sido praticamente ignorado pela justiça do pós-guerra: “Quando investigava o conteúdo dos processos levantados depois do fim da guerra, percebi que centenas de mulheres tinham sido chamadas a testemunhar e muitas se tinham mostrado complacentes, uma vez que os procuradores pareciam mais interessados nos crimes horrendos dos seus colegas do sexo masculino, ou dos seus maridos, do que nos delas.” À medida que avançou nesta investigação (o livro foi originalmente dado à estampa em 2013), a autora chegou à conclusão de estar perante “um fenómeno muito mais amplo e que fora suprimido, menosprezado e pouco investigado”. Percebê-lo, conclui a autora, “ajuda-nos a ver o que os seres humanos – não apenas homens mas também mulheres – são capazes de fazer e aquilo em que são capazes de acreditar”.
CREMATÓRIO FRIO – MEMÓRIA DO TERRITÓRIO DE AUSCHWITZ JÓZSEF DEBRECZENI Temas e Debates | 256 páginas | 18,80 €
“Os paramédicos registam os mortos do dia anterior na manhã seguinte e, normalmente, é por volta do meio-dia que se procede à remoção efetiva dos corpos. O toque do corpo cada vez mais frio que está apertado contra mim enche-me de repulsa. Não consigo evitar ficar admirado com a calma com que o nosso vizinho comum, Weisz, o barbeiro gago de Kosice, pousa os pés na barriga do cadáver.” – esta passagem impressiona, mais do que pela natureza trágica do que descreve – e que lemos com o conhecimento do que foram o Holocausto e os campos de morte –, pela desumanização que implica. O barbeiro judeu, com os pés sobre a barriga do um entre milhares e milhares de judeus mortos, quebrou sob o sistema montado pelos nazis, perdendo o que deveria distingui-lo da mais básica condição animal. É apenas um ínfimo detalhe do que nos conta József Debreczeni, escrritor e jornalista de língua húngara, sobrevivente de Auschwitz, cujo pungente testemunho, este livro, se manteve esquecido por sete décadas, só agora sendo traduzido para 15 línguas ocidentais, incluindo a portuguesa. Leitura obrigatória.
D’ANDRADA - O CIENTISTA E A INVENÇÃO DO BRASIL ISABEL CORRÊA DA SILVA Tinta da China | 304 páginas | 17,90 €
Temos aqui um ensaio biográfico sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, que os brasileiros identificam como Patriarca da Independência. Nasceu português, como todos os que no século XVIII eram naturais do Brasil, estudou na Universidade de Coimbra, como a generalidade dos que antes da fixação da corte no Rio de Janeiro ali nasciam e queriam prosseguir estudos superiores, viajou uma década pela Europa e acabou por viver em Portugal até aos 56 anos, quando regressou ao Brasil, então centro do império. Funcionário da coroa, era um homem das Luzes, um homem de ciência e um cidadão aderente às ideias progressistas do tempo. A aversão ao esclavagismo era uma das suas características mais marcantes. O percurso político de José Bonifácio corresponde, grosso modo, aos seus últimos anos de vida: esteve com D. Pedro no momento da independência, teve depois desinteligências com a elite política brasileira emergente, partiu para cinco anos de exílio, voltou aquando da abdicação do primeiro imperador para ser tutor do futuro D. Pedro II, embora tenha depois sido demitido desse papel pela Regência.