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ALGAS PARA QUE VOS QUERO
Vermelhas, verdes ou castanhas. São muitas e têm inúmeras possibilidades de uso. Da agricultura à estética. Da alimentação à farmacologia. Ironia: a importância aumentou na altura em que começam a migrar para águas mais frias.
Crescem empoleiradas nas rochas. Mas é comum vê-las estendidas, como tapetes gigantes, ali mesmo à entrada do mar. Desmaiadas na areia esperam as ondas, que as fazem dançar para lá e para cá, até que a maré vaze e o sol as seque. Verdes, avermelhadas e castanhas. Pequenas, grandes, ramificadas, como raízes, como fitas, parecidas com cobras, com enguias. São algas. E, por vezes, são muitas. E juntas intensificam o cheiro a mar. A sua presença torna as praias mais ricas em iodo. Principalmente as do Norte.
Recentemente, foram protagonistas, quando um grupo de investigadores portugueses publicou um estudo na revista científica “Frontiers in Microbiology”, onde se garante que podem vir a ser utilizadas em medicamentos anticancerígenos. Mas ainda é preciso fazer muito para aproveitar todo o potencial desses organismos que, por causa do aquecimento global, estão a deixar de se reproduzir na costa portuguesa. Docente e investigador do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, além de criador do portal português das macroalgas, “MACOI - Portuguese Seaweeds Website”, Leonel Pereira tem-se empenhado em divulgar junto da população o potencial desta riqueza natural, tanto para a indústria como para a gastronomia.
“Fomos dando passos importantes, mas ainda há muita gente que olha para as algas com desconfiança.” E por desconfiança entenda-se “preferir não as ter por perto”. Até porque, como explicou à NM o investigador, as pessoas optam por praias de água quente, o que quase só acontece a Sul. Sendo que a Norte é onde se encontra a grande quantidade de algas, precisamente por ser mais fácil reproduzirem-se em águas frias. Algo que está a mudar. “A nossa flora é muito rica. Temos cerca de 300 espécies de algas na costa portuguesa, mas isso está em profunda alteração devido ao aquecimento global.” Irónico que se comece a despertar para os benefícios quando as algas castanhas começam a escassear. “Estão a migrar para águas ainda mais frias. Está tudo a mudar e
“Em Portugal a experiência é gratuita. As pessoas deviam andar sobre as algas, comer algas, esfregar-se nas algas” LEONEL PEREIRA Docente e investigador do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra
há uma tendência de perda de biodiversidade.”
Um mar de sargaço
E afinal, para que são as algas benéficas? Leonel Pereira explica: “Há uma utilização que é a primeira a nível mundial, a alimentar. Porém, em Portugal, não temos essa tradição, embora já comece a haver gente interessada em experimentar algas na dieta”. Outra utilização prende-se com a agricultura, que tem especial força também a Norte do país. “O uso das algas, ou mistura de algas, como é o caso do sargaço, para fertilizar os solos, está, no entanto, em desuso.” E agora tem havido particular interesse da indústria farmacêutica. “A tendência diz que é preciso procurar alternativas aos medicamentos de origem sintética, que são cada vez menos eficazes. As algas revelam-se benéficas por serem organismos com características antifúngicos, antibacterianos, anticancerígenos, etc.” Na prática, sabe-se que o consumo regular de algas pode ajudar a combater anemias, porque restabelece os níveis de ferro. A sua composição gelatinosa é rica em fibras e carotenos. Por outro lado, na cosmética, as algas são muito usadas em produtos de rejuvenescimento da pele, prevenção de problemas circulatórios e reumáticos e no combate à celulite.
Leonel Pereira lembra os benefícios das praias do Norte. Noutros países é comum pagar-se muito por tratamentos de talassoterapia – que se baseia na utilização das propriedades da água do mar, das algas e das lamas marinhas. “Em Portugal a experiência é gratuita. As pessoas deviam andar sobre as algas, comer algas, esfregar-se nas algas.” Principalmente nas “Laminaria ochroleuca”, as castanhas de grandes dimensões. Em curso estão vários projetos para revelar mais sobre os possíveis aproveitamentos dessas espécies. Substitutos para fertilizantes e herbicidas, que podem gerar uma agricultura mais sustentável. E mesmo na área alimentar. “Há empresas que se dedicam ao fabrico de gelatinas vegetais, uma vez que as de origem animal correm o risco de disseminar doenças.”
No entanto, não é possível exigir ao mar algas em quantidades que ele não dá. A solução passa pela aquacultura. É
o que faz, por exemplo, a Alga+, em Aveiro. A empresa dedica-se à produção de macroalgas e produtos derivados em ambiente controlado e com certificação biológica. “São a solução para as empresas dos setores alimentar e cosmético que procuram um ingrediente natural, sustentável e com garantia de qualidade, rastreabilidade e fornecimento contínuo que lhes permita diferenciar os seus produtos”, lê-se no site da marca. “É o futuro, para que não precisemos de depender do stock selvagem”, confirma Leonel Pereira.