A liberdade vem de dentro
Nasci depois do 25 de Abril de 1974, em janeiro de 1978. Quando em criança ouvia falar sobre o acontecimento, não entedia o que queria dizer revolução nem liberdade. Talvez porque quase todas as crianças, exceto as que crescem num país em guerra, sintam que são livres. Mesmo as que vivem sob ditaduras políticas ou familiares. É difícil retirar totalmente a liberdade a uma criança porque a liberdade vem também de dentro.
A verdade é que até ser adulta nunca pensei seriamente sobre a importância do 25 de Abril de 1974 na nossa História, com “h” maiúsculo, mas também minúsculo, e nas consequentes liberdades adquiridas. Sendo mulher e mãe, e sobretudo nos últimos anos, as palavras “liberdade” ou “direitos adquiridos” clarificaram-se para mim.
O que era certo e inquestionável tornou-se matéria pantanosa, onde parece necessário avançar com cautela. Mal consigo verbalizar o nojo e a revolta ao sentir o hálito bafiento dos que estiveram sempre à espreita, à espera do momento certo para voltarem a ganhar força e saírem das cavernas. Na minha ingenuidade ou burrice, não sabia que eram tantos. Continuo perplexa com a quantidade de criaturas do Paleolítico que querem abafar o mundo que conquistámos. No que diz respeito aos direitos das mulheres, e quando há ainda tanto para fazer, quererem recuar e retirar-nos direitos adquiridos importantíssimos, como por exemplo a liberdade de decidir sobre o meu próprio corpo, torna-se abjeto.
Não podemos esquecer os homens e as mulheres que lutaram e se sacrificaram pelas liberdades que hoje temos. Não podemos esquecer-nos nós próprios dos nossos filhos e filhas. Temos de pensar nas mulheres, nas pessoas racializadas, nos emigrantes, nas famílias LGBTQIA+ e em todas as pessoas que fazem parte de minorias e que vivem aqui, neste belíssimo pedaço de terra à beira-mar.
Não podemos perdoar os mais fortes que querem tais recuos, nem esquecer os mais frágeis que serão cilindrados na grande engrenagem do poder. Todos podemos perder. Perdemos todos. Não é um discurso alarmista, penso que o maior perigo consiste em desvalorizar os pequenos avanços reacionários, perdoem a antítese. O que está a acontecer em Portugal do ponto de vista político e social é inenarrável, mas não podemos ficar-nos pela tristeza da inércia.
Lembro-me da música Acordai de Fernando Lopes-Graça. Peço que acordemos. E lembremos também que a liberdade, como nas crianças, vem de dentro. No mês em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril, não podemos permitir que a tristeza nos adormeça. Não podemos permitir que o março passado mate o abril de hoje e os do futuro. Indignação, revolta e sobretudo coragem. Tristeza e inércia, não. Agora, mais do que nunca, acordemos.