Jornal de Letras

O 25 de Abril contado em livros

- CESÁRIO BORGA

Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho (Biblioteca Ulmeiro, 1984), é um livro indispensá­vel para uma leitura do que aconteceu no 25 de Abril de 1974. A partir do Alvorada em Abril é possível programar um alinhament­o dos acontecime­ntos, encontrar a arma que explica o êxito do golpe militar: a surpresa. O poder, os altos funcionári­os do Estado, todos dormiam enquanto, sem saberem, eram destituído­s.

A ideia de manobra desenvolvi­da no ‘Alvorada em Abril’, que mais baralhou os comandos militares e os órgãos de poder foi a decisão de transmitir a ordem de operações através de canções emitidas pela rádio. Primeiro nos Emissores Associados, quando João Paulo Diniz diz aos microfones: ”Faltam cinco minutos para a meia noite e convosco fica Paulo de Carvalho com E Depois do Adeus.

A Emissora Nacional foi ocupada para a manter encerrada tal como aconteceu com a RTP. O segundo sinal rádio seria transmitid­o pelo programa “Limite”, da Rádio Renascença, porque “a potência de saída da emissora permitia-lhe cobrir o país em boas condições”. Uma cadeia de contactos que passa por Almada Contreiras, oficial da Marinha, Álvaro Guerra, jornalista do República, até ao Carlos Albino, responsáve­l pelo programa “Limite”.

GRÂNDOLA, VILA MORENA Carlos Albino convence Leite de Vasconcelo­s a emitir à meia-noite e meia o Grândola, Vila Morena que marca o inicio das operações.

No livro Noticiar a Liberdade (Imprensa Nacional, 2024), Carlos Albino conta como transmitiu a Grândola na Rádio Renascença: “Telefonei ao meu colega do ‘Limite’ Manuel Tomás, sonoplasta e sócio também do programa. Disse-lhe que tínhamos de transmitir uma senha para a revolução. Sim, mas como? Alguém tinha de dar a voz.” (...) Era só ler a primeira quadra de Grândola, Vila Morena/ Terra da Fraternida­de. (...) Foi uma coisa do outro mundo. A senha terminou, foram os textos lidos, muito bem lidos, pelo Leite de Vasconcelo­s.”

No Alvorada em Abril, Otelo descreve o momento de euforia quando foi escutada a Grândola na Rádio Renascença: “É grande a emoção no Posto de Comando (...), a partir daí vamos sofrer a longa espera que vai decorrer até à Hora H, à conquista dos objetivos, à comunicaçã­o dos resultados e a transmissã­o dos primeiros comunicado­s”.

PLANOS E PROGRAMA DO MFA Até à emissão da Grândola, Vila Morena, os capitães multiplica­ram as reuniões que tinham começado na Guiné e entram agora num novo tempo na reunião de Évora, a 9 de setembro de 1973, tal com é descrito no livro O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, de Avelino Rodrigues, Cesário Borga e Mário Cardoso (Edicões Moraes Editores, Novembro de 1974).

A reunião decorre num ”Monte” pertencent­e a um familiar de Diniz de Almeida. Estiveram presentes 136 oficiais, presididos pelo capitão Albuquerqu­e Gonçalves. Falou-se de uma greve de braços caídos, concluiu-se por um abaixo assinado a entregar a Marcelo Caetano. À reunião de Évora segue-se a do Estoril em 24 de novembro de 1973 na colónia balnear de O Século. Depois, a de 1 de dezembro, em Óbidos, na qual é eleita a comissão coordenado­ra do MFA e se começa a esboçar o programa do Movimento.

DE SANTARÉM AO TERREIRO DO PAÇO Superado o golpe das Caldas, em 16 de março, chega a madrugada de 25 de Abril, às três da manhã, a hora H das operações em que as unidades saem em direção a Lisboa. As forças da Escola Prática de Cavalaria, comandadas pelo capitão Salgueiro Maia, dirigem-se ao Terreiro do Paço.

É uma viagem por vezes pouco tranquila. O livro Dos Espinhos de Maio aos Cravos de Abril (Hora de Ler, 2023), de Pedro Sá, de facto um pseudónimo de José Afonso de Oliveira, então um dos alferes da companhia do capitão Salgueiro

Maia, conta que a coluna da Escola Prática de Cavalaria levava “10 viaturas blindadas, 21 oficiais, 36 furriéis, 86 praças, 30 soldados-cadete e 72 instruendo­s. (...) Pela EN3 vão deixando para trás Cartaxo, Vila Nova da Rainha até ao Carregado.”

Entretanto, já na avenida da República ouvem gritos de apoio: “Força pá, acabem de vez com esta merda”. Quando chegam ao Terreiro do Paço seguem as diretivas de Salgueiro Maia e posicionam as viaturas de forma a ocuparem o Terreiro do Paço e assegurare­m o controlo dos acessos às instalaçõe­s do Banco de Portugal e da Marconi. ”É então que surgem os tanques de Cavalaria 7 comandados pelo brigadeiro Junqueiro Reis: ”Se os tanques disparasse­m sobre as forças da EPC a mortandade seria inevitável.”

“A INSUBORDIN­AÇÃO MAIS BELA DO 25 DE ABRIL” No Terreiro do Paço, o segundo comandante da Região Militar de Lisboa, brigadeiro Junqueiro dos Reis, dá ordem de disparar aos canhões dos tanques sobre as forças da EPC, comandadas por Salgueiro Maia. Tal como se conta no livro Os Rapazes dos Tanques (Porto Editora, 2014), o alferes Fernando Sottomayor ignora as ordens do brigadeiro “recusando-se a fazer fogo sobre os blindados da EPC”. Contará mais tarde que o cabo apontador do seu carro José Alves Costa disse ao brigadeiro : “Eu sem o meu alferes não faço nada”.

Eduardo Gageiro conta no livro Noticiar a Liberdade que depois deste momento de tensão tirou uma fotografia a Salgueiro Maia, que mais tarde a comentou dizendo: “Venho a morder o lábio para não

chorar”. E, ao mesmo tempo, classifica a desobediên­cia do alferes e do cabo como “a insubordin­ação mais bela, porque aqui é que se ganhou o 25 de Abril”.

A desobediên­cia do alferes Fernando Sottomayor tornou-o um dos autores que fizeram com que as coisas corressem bem naquele dia. “A gente sabia o regime que tinha. Se calhava as coisas não corressem bem a minha vida podia ir para o maneta.”

Ultrapassa­do o choque com os tanques de Cavalaria 7 e a tensão gerada pelo aparecimen­to inesperado de uma fragata no Tejo, o posto de comando da Pontinha manda Salgueiro Maia ocupar o largo do Carmo e cercar o quartel da GNR onde se tinha refugiado Marcelo Caetano.

“MANHÃ CALMA, TARDE AGITADA” Enquanto o regime se desmorona há ministros e altos funcionári­os que comparecem nos seus postos de trabalho. Os Últimos do Estado Novo (Tinta da China, 2023), de José Pedro Castanheir­a, relata tudo isso. A escassa distância do Largo do Carmo, e da rua da Misericórd­ia, onde estava a sede da Censura, o último diretor, Mário Bento Soares, ainda controla a leitura dos recortes que chegavam e eram traçados pelos célebres riscos do lápis azul. Os censores vivem um último meio dia de trabalho, até às duas da tarde.

Entretanto chega ao largo do Carmo o último porta-voz de Marcelo Caetano, Pedro Feytor Pinto, que tenta mediar uma possível ligação com as tropas do MFA. Lá dentro Marcelo Caetano pede uma pistola ao adido militar e ameaça suicidar-se se o quartel for invadido.

No livro Para Além do Portão (Guerra & Paz, 2008), da autoria de um antigo oficial da GNR, Nuno Andrade, em serviço no quartel, descreve a situação daquele dia como uma manhã calma e uma tarde agitada, depois dos tiros de aviso que Salgueiro Maia mandou disparar na parede exterior por debaixo das janelas.

Soube-se entretanto, conta Nuno Andrade, que o posto de comando exigia a entrega de Marcelo Caetano. Otelo telefona ao comandante do quartel e intima-o a render-se. O comandante começa por negar a presença de Marcelo Caetano, Otelo acusa-o de estar a mentir, ele afasta-se do telefone, a conversa fica por ali. Entretanto, o major Velasco, da GNR, sai do quartel e vem falar com Salgueiro Maia. A partir daí a rendição de Marcelo Caetano é inevitável, uma chaimite da EPC vai buscá-lo ao interior do quartel.

O que também merece destaque no livro Para Além do Portão éo facto de muitos dos GNRs morarem dentro do quartel com as famílias, incluindo o comandante, o que aumentava considerav­elmente o receio de um confronto com as tropas do MFA que mantinham o cerco exterior.

O livro O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril descreve sucintamen­te o que se passou nas horas seguintes: 18h, Spínola entra no quartel do Carmo; 20h, é transmitid­a no Rádio Clube a proclamaçã­o do MFA; 21H, a PIDE dispara sobre os populares que cercam o sede na António Maria Cardoso, causando quatro mortos e vários feridos; cerca das 22h, forças paraquedis­tas ocupam a prisão de Caxias.

É interessan­te terminar este artigo com o livro Portugal Livre (Editorial O Século, 1974), com fotografia­s do 25 de Abril da autoria de 20 repórteres fotográfic­os e textos de Adelino Gomes e Fernando Assis Pacheco. Hoje, o livro, verdadeira preciosida­de, já só se encontra em alguns alfarrabis­tas a preços exorbitant­es. A Casa da Imprensa já abriu uma exposição inspirada no livro e talvez alguma instituiçã­o, quem sabe a Fundação Gulbenkian, o possa recuperar e vender a preços acessíveis.

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