Jornal de Letras

Ensino Básico

- PEDRO ABRANTES

Até aos anos 1960, Portugal possuía um ensino primário de apenas quatro anos, com escolas muito rudimentar­es e um currículo focado na imposição de valores conservado­res e nacionalis­tas. As taxas de reprovação e abandono eram massivas, sendo esta a única experiênci­a educativa acessível à maior parte da população. Aqueles que prosseguia­m eram então separados, aos dez anos, entre escolas técnicas que prepararam para o desempenho de profissões intermédia­s e uma formação liceal orientada para o ensino universitá­rio.

É certo que, no ocaso da ditadura, se havia ensaiado uma transforma­ção, com a introdução do ensino preparatór­io, mas que ficou apenas em dois anos adicionais e o parco investimen­to não respondeu à procura, em profundo contraste com o resto da Europa em que a massificaç­ão do ensino secundário já era uma realidade.

Este quadro alterou-se radicalmen­te com o 25 de Abril. Por um lado, os currículos foram revistos para refletir os valores democrátic­os, incluindo uma unificação dos primeiros três anos do ensino secundário (7º ao 9º ano). Este modelo acabaria por ser aprofundad­o com a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada por uma ampla maioria em 1986, prevendo um ensino básico universal e gratuito de 9 anos, à semelhança dos sistemas nórdicos. Por outro lado, houve um investimen­to forte na construção de escolas preparatór­ias e liceus para todos, assim como na formação e colocação de professore­s.

É CERTO QUE ENTRE A LEGISLAÇÃO e a realidade a distância era grande, permanecen­do as taxas de retenção e abandono massivas, cumulativa­s e socialment­e seletivas, ao longo de toda a escolarida­de, até ao final do século. Contudo, as bases foram lançadas para uma alteração profunda destes indicadore­s, sobretudo durante as primeiras duas décadas do século XXI, com uma mobilizaçã­o dos fundos europeus na construção e reabilitaç­ão de escolas, um novo currículo do ensino básico, bem como em programas de desenvolvi­mento educativo e combate ao insucesso escolar.

Diversos estudos nacionais e

Devemos continuar a aprofundar este caminho para que o ensino básico seja, realmente, o esteio da formação de cidadãos para uma sociedade democrátic­a e sustentáve­l

internacio­nais têm mostrado que este processo represento­u um enorme salto (sem comparação noutro país europeu), não apenas nas oportunida­des educativas e nas qualificaç­ões das gerações mais jovens, mas também nas aprendizag­ens efetivas, em áreas centrais como a leitura, a matemática e as ciências. Outras áreas como as artes, o desporto e as ciências sociais, mantendo um lugar periférico, não deixaram de constituir espaços importante­s para o desenvolvi­mento de tantas crianças e jovens.

Cinquenta anos volvidos, reconhecen­do o valioso trabalho de tantos quantos contribuír­am para esta verdadeira revolução educativa, devemos continuar a aprofundar este caminho para que o ensino básico seja, realmente, o esteio da formação de cidadãos para uma sociedade democrátic­a e sustentáve­l, num mundo marcado pelo aumento das desigualda­des, a digitaliza­ção e a emergência climática.

* Pedro Abrantes é Professor Auxiliar na Universida­de Aberta

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