Palavras adiadas de Agustina Bessa-Luís
“Portugal não é um país intelectual. Também não é um país comercial. É um país de meias-tintas.”
A única vez que cheguei à fala com a escritora foi no Porto, em 2006, a propósito da promoção da língua francesa na região. Acedeu gentilmente responder a estas questões, e é para os leitores de Agustina – leitores de todas as línguas – que todas estas palavras adiadas se destinam. Treze anos anos depois, desfiam-se nas suas palavras as memórias da língua. Por acaso? Por inércia? Pouco importa. Memórias da língua francesa e não só. O seu tom divertido e desafiante deixava adivinhar que não era uma mulher de “meias-tintas”. E não surpreendeu quando disse que Portugal era “um país de meias-tintas”. Tudo isso no contexto da desvalorização da aprendizagem do francês. “Como promover a diversidade linguística?” Esta era uma questão com que muitos países se debatiam na altura. Recorde-se o exemplo de Portugal: embora durante muito tempo francófono, nas últimas décadas o país acompanhou a tendência mundial da aprendizagem do inglês como primeira e única língua estrangeira no ensino oficial. Nesse mesmo ano de 2006, Portugal e França uniam-se para promover a diversidade linguística. Precisamente na cidade do Porto – que abrigava a escritora e o cineasta Manoel de Oliveira, dois famosos francófilos e francófonos – surgiam iniciativas para prevenir o desaparecimento da língua francesa do património linguístico das gerações mais jovens. Agustina recordava que, “no seu tempo”, aprender a língua francesa fazia parte do perfil da educação portuguesa de todas as jovens raparigas oriundas de um meio “privilegiado”. Algumas tornaram-se escritoras, genuinamente francófilas. Foi o caso dela: uma das maiores e mais prestigiadas romancistas portuguesas. Aos 84 anos e com mais um romance publicado, “A Ronda da Noite”, a autora de mais de meia centena de obras confiava que “o francês, na literatura, sempre foi um guia”.