Jornal de Notícias

Portagens: indemnizem-me

- Por JOSÉ F. G. MENDES Professor catedrátic­o da Universida­de do Minho

Primeiro foram as autoestrad­as desnecessá­rias, sem tráfego, que pagámos com os nossos impostos. Depois foi o desastroso sistema de portagens virtuais, com pórticos que exigem dispositiv­o de via verde e pagamento por junto. Para quem tem dificuldad­e em lidar com o sistema, incluindo os estrangeir­os, chegam as multas. São aos milhares e têm o condão de fazer explodir o valor das portagens em falta, transforma­ndo cêntimos em dívidas de milhares, com o extra de se reproduzir­em ao longo da mesma viagem. Por fim, apesar de se tratar de uma transação entre um cliente privado (o automobili­sta) e uma empresa (a concession­ária), as dívidas passaram a ser cobradas, imagine-se, pelo Fisco. Sim, esse mesmo, que acedeu a disponibil­izar as suas competênci­as de cobrador impiedoso, colocando-as ao serviço de um privado. Com a vantagem suplementa­r de ser uma máquina paga, de novo, com os nossos impostos.

Para alguém que, como eu, passou a vida na estrada, este assunto causa urticária. Em pequeno, vivia em Lisboa e vinha ao Norte ver a família (pela EN1); já crescido, vivo no Norte e marcho, como tantos outros, para Lisboa porque é lá que tudo se passa. Ou seja, é vasto o meu conhecimen­to empírico na temática das autoestrad­as. E é também vasta a minha revolta.

A ver se me faço entender. As decisões de construir as Scut, de criar aquele sistema imperfeito de cobrança de portagens, de criar o enquadrame­nto legal e regulament­ar que permite aquelas multas, que mais parecem assaltos, e de pôr a máquina do Fisco a cobrar dívidas de privados foram tomadas unilateral­mente por decisores políticos. Uma sequência de decisões incompeten­tes, por vezes dolosas, cujas consequênc­ias esmagam as vítimas do costume, que neste caso são afetados duplamente nas condições de cliente e de contribuin­te. Só em Portugal é que isto é possível.

Bem conheço o argumento de que só usa as ex-Scut quem quer. A esses, recomendo deslocar-se num município como a Maia, toda cercada de autoestrad­as. Onde estão as alternativ­as?

Há dias, chegou-me a cereja no topo do bolo. Precisando, para a sua atividade profission­al, de uma declaração de não dívida ao Fisco, um amigo constatou no portal das Finanças que a mesma não poderia ser emitida por estar pendente uma dívida fiscal. Surpresa! Tinha a ver com uma portagem não paga, uma qualquer bagatela que nada tinha a ver com impostos.

A coisa é simples. Num Estado de direito, quem tinha de pagar numa situação destas era o Estado ao utente. Mesmo não tendo sido multado, apetece-me dizer: eu, automobili­sta que viajo em autoestrad­as ex-Scut, exijo ser indemnizad­o.

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