Jornal de Notícias

A DÚVIDA QUE ENALTECE CAMÕES

- ANA VITÓRIA

NO ESTREITO rigor histórico ninguém sabe ao certo se no túmulo de Luís de Camões, no Mosteiro dos Jerónimos, estão de facto depositado­s os restos mortais do poeta.

A tese não é nova. Tem vindo a ser esgrimida, com intermitên­cias, por vários especialis­tas de estudos camonianos. E até a própria comissão que em 1880 foi encarregad­a de encontrar as ossadas do poeta teve dúvidas da autenticid­ade do que trasladou.

O reputado investigad­or e académico Vítor Aguiar e Silva tem vindo a defender que, “além de não se saber exatamente onde foi colocado o cadáver”– se dentro ou fora da igreja de Sant’ Anna, em Lisboa – há o facto de terem “passado três séculos até à trasla- dação e de, pelo meio, ter acontecido o terramoto de 1775 que provocou grande destruição na igreja”.

À data da trasladaçã­o, em 1880, formou-se uma comissão encomendad­a por Rodrigo da Fonseca, ministro do Reino, para encontrar as ossadas de Camões e lhes dar última morada condigna. A própria comissão, no relatório final, admite que alguns dos ossos encontrado­s “eram sem dúvida de Luiz de Camões”, só não conseguiam dizer quais. E concluem “confessamo­s que isto é penoso; que talvez com os ossos de Camões estejam misturados os de pessoa de bem pouco valor; mas assim já eles estavam. E o oiro dos seus ossos não deixa de o ser por estar junto com outro metal de pouca estimação”.

Este conceito acaba de certo modo por ser sublinhado pelos camonistas da atualidade quando defendem que esta “dúvida antiga, que sempre subsistiu, não retira o valor simbólico do túmulo”.

“Os Lusíadas”, lembram, são uma obra fundamenta­l para a compreensã­o de Portugal”. Um facto por si só suficiente para que a sombra da dúvida que paira sobre as épicas ossadas se desvaneça.

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