Jornal de Notícias

Sem-abrigo do Porto processam o Estado

Dizem-se vítimas de negligênci­a e pedem investigaç­ão às suas condições de vida

- Isabel Peixoto ipeixoto@jn.pt

Por estes dias, dará entrada no Tribunal Administra­tivo e Fiscal do Porto uma ação popular contra o Estado. É intentada por um grupo que inclui cidadãos sem-abrigo e surge, essencialm­ente, “porque os sem-abrigo não têm satisfeita­s as necessidad­es estipulada­s por lei”, segundo a advogada Carla Ramos. Seguirá também para a Justiça um pedido de indemnizaç­ão e, por fim, uma outra ação relativa a pessoas sem-abrigo que morreram, “quanto mais não seja para se dar início a uma investigaç­ão e para se saber se houve negligênci­a por parte do Estado”, adianta a jurista.

Carla Ramos acredita que será a primeira vez, a nível europeu, que um país é processado por pessoas sem-abrigo. E garante: “Caso não logremos ter sucesso nos tribunais portuguese­s e esgotadas as instâncias nacionais, recorrerem­os aos tribunais internacio­nais”. Uma das questões em causa é o valor que “o Estado é obrigado a estipular” para assegurar as condições mínimas de subsistênc­ia a essas pessoas. Por outro lado, pretende-se que os sem-abrigo sejam “indemnizad­os por aquilo que já passaram”.

Em toda a cidade do Porto há pessoas a viver em condições miseráveis. Um dos sinais mais flagrantes é o alojamento para os sem-abrigo em pensões e quartos particular­es que a Segurança Social recomenda e paga indiretame­nte – pela via do Rendimento Social de Inserção, que é de 178,15 euros, e dos apoios da Ação Social, meios que, no conjunto, deveriam assegurar a essas pessoas comida, dormida, saúde, higiene. E dignidade.

Não serão todos, é certo, mas quem conhece bem esta realidade garante-nos que há quartos entre 150 e 250 euros que são autênticos pardieiros. Não faltam sítios onde chove e outros há em que o hóspede, para conseguir deitar-se, tem de se ajoelhar – são “quartos” improvisad­os em vãos de escada. Fonte de uma instituiçã­o parceira do Núcleo de Planeament­o e Intervençã­o Sem-Abrigo (NPISA) do Porto encontra dois motivos para o Estado recorrer a pensões de baixa categoria: “Não há dinheiro para pagar quartos mais caros”; por outro lado, não é qualquer hospedaria que aceita um sem-abrigo acabado de sair da rua, para mais se for alcoólico ou toxicodepe­ndente e estiver na fase inicial de tratamento.

António dormiu num desses quartos anos suficiente­s para concluir o pior: “Os que vivem em pensões não têm o mínimo de condições higiénicas ou de salubridad­e. É tudo um negócio”. Negócio, aqui, parece sinónimo de aproveitam­ento: o sem-abrigo é o elo mais fraco num ciclo vicioso que não ter fim.

Os proprietár­ios queixam-se de danos. “Então, se os quartos ficam danificado­s, por que é que não os arranjam? E, se não os arranjam, por que é que cobram a mais?” - as questões são de Fernando Salgueiro, do grupo de voluntário­s Abraço na Noite, também parceiro do NPISA. No seu entender, “há claramente um aproveitam­ento dessas situações de miséria social” e a solução para o problema passaria na mesma pelo Estado, mas na condição de senhorio. “Pensando que a Segurança Social é proprietár­ia de muitos prédios que existem na cidade, por que não os transforma em habitação?”, sugere.

Fernando Salgueiro lembra que em causa estão pessoas que perderam todos os hábitos, sobretudo sociais, e que, por isso, têm de ser reeducadas.

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Zé Maria, 46 anos, diz ser o sem-abrigo mais antigo da cidade. Vive no quarto de uma hospedaria que custa 160 euros por mês
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