“Andamos a falar de tostões na Justiça”
António Ventinhas Novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público alerta para falta de profissionais e lamenta escassez de fundos. Desvaloriza acesso dos pais a dados de pedófilos, porque a maioria dos abusos acontece no seio da família
perfil “Só se despacha processos urgentes”
António Ventinhas é, desde 9 de abril, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). A falta de profissionais é um dos problemas que pretende ver resolvidos rapidamente. Diz que a ministra Paula Teixeira da Cruz tem abertura para diálogo com as magistraturas, mas critica a falta de fundos para a Justiça, “uma função essencial do Estado”. Como caracteriza o Ministério Público (MP)? Tem virtudes e defeitos, como todas as organizações. Em termos de resultados, apresenta boas taxas de condenação. Há cerca de 80 mil pessoas condenadas todos os anos com base no trabalho do MP. Tem uma intervenção valiosa junto dos trabalhadores e na proteção dos menores, especialmente daqueles que se encontram em risco, e, na área administrativa, na defesa dos interesses do Estado. Em termos negativos, o grande problema neste momento é a falta de quadros. Disse recentemente que a Justiça não foi prioridade de nenhum Governo. Nem mesmo deste, que tem feito tantas alterações? O Governo tomou medidas muito importantes, como a reforma do Código de Processo Civil, que é uma mudança de paradigma, algumas alterações ao Processo Penal, a própria reforma do mapa judiciário tem aspetos positivos. E, por parte da ministra Paula Teixeira da Cruz, há uma maior abertura no diálogo com as magistraturas. Mas para cada problema que surge noutras áreas, aparecem logo linhas de financiamento de centenas de milhões de euros, que se anunciam de um dia para o outro. Na Justiça, que é uma função fundamental do Estado, andamos aqui a falar de tostões. A Justiça é dos ministérios com orçamento mais baixo. Mas tem havido mais apoio institucional às investigações, ao contrário do que aconteceu no tempo do anterior procurador-geral, Pinto Monteiro, como já referiu? A doutora Joana Marques Vidal co- nhece o MP e os problemas do MP. E conhecer a instituição que se dirige é uma mais-valia. É preciso alterar as regras do segredo de justiça? Penso que não é tanto uma questão legislativa. A primeira questão que se coloca é a quem é que interessa a violação do segredo de justiça? Muitas das vezes, interessa aos arguidos, como já temos visto em vários processos. Porquê? É dizer que, no fundo, o MP cometeu um crime, quando há uma série de entidades que tocam no processo: funcionários judiciais, polícias, juiz de instrução, MP, advogados. E se quem acusa cometeu um crime, não tem grande legitimidade para investigar e acusar, porque também é um criminoso. Isto é uma forma de tirar legitimidade ao MP. O que acha da possibilidade de os pais terem acesso aos dados de pedófilos condenados? Penso que terá pouca valia prática. A grande parte dos casos de abusos sexuais de menores que tenho investigado são no seio da família. Em 80% dos casos, são pais, padrastos, tios, primos... Aquele pedófilo que imaginamos como a pessoa que anda ali, atrás das crianças, é uma exceção. Também existem, e muitos, mas é mais frequente, pelo menos em Portugal, os abusos sexuais ocorrerem no seio familiar. O sindicato pretende que a Polícia Judiciária passe para a alçada do MP. Um dos argumentos é o facto de os seus diretores serem nomeados pelo poder político. Mas o procurador-geral da República não é também nomeado assim? Por isso é que também defendemos a alteração da designação da Procuradoria-Geral da República. Que seja indicada não pelo Governo, mas através d e uma escolha mais ampla no âmbito da Assembleia da República. A investigação criminal tem de estar no âmbito da investigação criminal. Porque existe sempre, quer se queira, quer não, uma certa vinculação de confiança política entre quem nomeia e quem é nomeado. E isso, em termos de investigação criminal, é perigosíssimo. Nasceu em Lisboa, estudou por lá, mas foi colocado em Silves e não pensa regressar. Escolheu Direito, porque gostava da argumentação judiciária. Já depois de ser advogado, optou pelo MP para se poder dedicar à investigação. “A minha paixão é a área criminal”, disse. Foi aí que passou a maior parte da carreira, antes de ser promovido e mudar de especialidade, e gostava de regressar. A revisão do estatuto do MP é uma das prioridades da direção. O que é urgente alterar? A questão da carreira plana é muito importante. Permite aproveitar melhor os recursos. Quando os magistrados, por exemplo na área da investigação criminal, atingem o máximo da experiência naquela área, está na altura de serem promovidos e vão-se embora. Depois, ao nível da própria organização. Os conceitos hierárquicos que estão no estatuto não correspondem aos da lei da organização do sistema judiciário, que criou a figura do procurador coordenador. Disse que há serviços do MP que estão a cumprir serviços mínimos... Há sítios em que, devido à escassez de recursos, os magistrados do MP passam o dia todo nas salas a fazer julgamentos com os juízes. Se estiverem o dia todo nas salas, não podem despachar os seus inquéritos e acabam por despachar só os processos mais urgentes. Na tomada de posse, disse que faltam 200 magistrados do MP e anunciou que vai pedir a abertura de um curso extraordinário para a formação de mais 100. Se a proposta for aceite, quanto tempo leva até que estes cheguem aos tribunais? Se fosse em tempos normais, seriam três anos. São medidas que se repercutem daqui a uns anos. Mas, se não forem tomadas agora, se só se chegar à conclusão quando o MP estiver manietado em termos de atuação. Então, aí, é que ainda vamos estar mais tempo [à espera]. É essencial avançar-se já com esse curso.