Jornal de Notícias

A Europa a naufragar

- Paula Ferreira Editora-executiva-adjunta

Acontabili­dade devia pôr-nos todos a pensar. Desde o início do ano, mais de 1600 pessoas perderam a vida a atravessar o Mediterrân­eo, em busca de uma vida melhor. Fogem da miséria extrema, da fome e cada vez mais fogem da guerra. E o que faz a Europa? Limpa a consciênci­a tentando salvá-las. E as que consegue resgatar interna-as indefinida­mente em centros de acolhiment­o para imigrantes ilegais. Uma espécie de limbo entre o inferno, que querem deixar para trás, e a velha Europa – imaginada por muitos como uma espécie de paraíso.

Uma Europa que lamenta cada tragédia, mas parece não conseguir ir mais além. As centenas de mortos à vista de todos não deixarão, pelo menos no imediato, que os responsáve­is europeus continuem a olhar para o lado e a fazer-se preocupado­s. Ontem, perante a violência da tragédia que sepultou mais de 700 imigrantes no mar, a alta-representa­nte para a Política Externa da UE, Federica Mogherini, admitiu não haver desculpas “para desprezar o problema da pressão migratória no Mediterrân­eo”. Mal tinha acabado de falar, surgia a notícia de mais duas tragédias: uma no Egeu, ao largo da ilha grega de Rodes, e mais um pedido de socorro de um barco com 300 pessoas a bordo prestes a afundar-se num mar transforma­do em imenso cemitério.

A reação chegou. Quinta-feira, os responsáve­is europeus reúnem de emergência para analisar o problema e avaliar uma política migratória para a Europa. A resposta só pode vir daí. O Velho Continente não pode ser apenas fortaleza, criar muralhas para impedir a entrada dos que procuram aqui uma nova vida. O problema destes homens e mulheres é também o problema desta Europa envelhecid­a. Eles podem ser o sangue novo de que o continente precisa. E este, como outros, é um problema de toda a Europa, do Norte e do Sul.

Com a Europa em risco de desaparece­r em termos demográfic­os – cada mulher tem em média 1,2 filhos e sem perspetiva de regresso das famílias numerosas –, é altura de assumir a imigração como um fator positivo. Embora cada vez mais os europeus vejam no imigrante um problema. É este o nó. Precisamos deles, mas ao mesmo tempo temos medo deles. Com os novos habitantes, a Europa não será a mesma. Mudará de cor, como referia Umberto Eco, este fim de semana, numa entrevista ao “Expresso”. Será uma Europa diferente, certamente, mas viva. A alternativ­a é ficarmos como estamos, a caminho da extinção.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal