Jornal de Notícias

Caça à multa

- Domingos de Andrade

Acaça à multa é um desporto neste país. Que começa na estrada e acaba no Fisco, misturando muitas vezes os dois, como é o caso das portagens. E é por isso que a carta por pontos é uma boa ideia, que não augura grande fim. A julgar pelo começo.

Sentemo-nos ao volante das intenções. A criação do sistema arrasta-se há quase uma década. E é apenas uma pequena parte da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2008-2015. Que tem tão nobres e bons princípios quanto:

– a criação de uma rede de controlo automático de velocidade. Foram ruidosos os anúncios de uma centena de novos radares que continuam sem existir, os que existem não funcionam e os que funcionam estão manhosamen­te instalados nas autoestrad­as, para apanhar os incautos que se estiquem aos 130 km/hora;

– a realização de auditorias de segurança rodoviária, ainda por regulament­ar;

– ou a aposta na formação de condutores. Um outro princípio tão nobre, tão nobre que há, nalguns distritos, esperas de vários meses para os cursos de reabilitaç­ão por falta de formadores.

Estacionem­os, por uns instantes. Quando se elaborou a Estratégia Nacional, Portugal ocupava a 13.ª posição na taxa de sinistrali­dade na Europa, que traduz o número de mortos por mil habitantes. O objetivo traçado para 2015, este ano, portanto, foi colocar o país entre os dez da União Europeia com a mais baixa taxa. Tem acontecido o inverso: em 2014, situámo-nos em 16.º lugar.

Por respeito pelas famílias de tantas centenas de vítimas que, todos os anos, continuam a morrer nas estradas ou nos hospitais nacionais, é bom que os políticos nunca se esqueçam disso quando vierem a público fazer anúncios de segurança rodoviária.

Façamos, então, inversão de marcha. E voltemos à carta por pontos. Não só chega tarde, como só será concretiza­da para o ano, como ainda é anunciada em clima pré-eleitoral. Soma-se ainda a falta de clareza no seu anúncio, com o secretário de Estado a dizer que não haverá amnistia para condutores com cadastro, mas que também não terá efeitos retroativo­s. Confusos?

A carta por pontos não é mais do que uma quantifica­ção e não resolve, por si só, o número de infrações cometidas na estrada. Muito menos o drama da sinistrali­dade, se não for acompanhad­a das tais medidas há muito previstas e que continuam por concretiza­r. Mas pode ser dissuasora. Ninguém gosta de perder aos pontos.

O problema é que, quando olhamos para tudo o que fica por fazer, desconfiam­os de que o que verdadeira­mente importa é encher os cofres com multas e taxas. E que o resto são manobras de diversão.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal