Dr. Jekyll e Mr. Hyde
Robert Louis Stevenson escreveu no final do séc. XIX um livro em que narra uma história que ficou bem conhecida: “O estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. Um caso de dupla personalidade que ficou famoso nos anais da literatura, do teatro e do cinema. Passado um ano desde que terminou o chamado programa da troika, não posso deixar de me lembrar que a tão rápida mudança de discurso do Governo quanto às prioridades da política económica e financeira do país me fez evocar na altura este personagem celebrizado por Stevenson. Após três anos de políticas restritivas, que arrastaram o país para a sua recessão mais prolongada e para níveis de desemprego sem precedente, o Governo começou de imediato a propagandear a dita saída limpa, procurando assim limpar a memória dos sacrifícios impostos. Anunciou-se que a austeridade estava terminada, vinham aí os tempos de prosperidade, de crescimento reparador. Após os cortes de salários e pensões, viria a reposição dos valores anteriores à ajuda externa. Depois de um colossal aumento de impostos, começou a acenar-se com a sua descida.
Após três anos de Mr. Hyde, o mau, passamos a ter o Dr. Jekyll, afável e bondoso, pelo menos até às eleições. Enquanto a UE procura encontrar um rumo para evitar uma tragédia grega, o FMI veio alertar-nos recentemente para o facto de que o Dr. Jekyll não vai poder estar em cena durante muito tempo. Vai ter que dar lugar a Mr. Hyde. Um ano após a dita saída limpa, o FMI vem dizer-nos que a casa ainda não está arrumada. As reformas estruturais estão por completar e demoram a dar fruto. A reforma do Estado ficou por fazer e a despesa pública continua elevada. O FMI alerta para a necessidade de mais cortes de salários e pensões. Se estes forem política e socialmente impraticáveis, será inevitável uma nova subida de impostos para manter os mercados sossegados e disponíveis para financiar o país, pois esgotou-se o financiamento ao abrigo do programa celebrado com aquelas instituições. O crescimento da economia portuguesa tem-se revelado tímido e, perante este quadro, tudo indica que assim vai continuar.
Este jogo de dupla personalidade é também uma tentação para as oposições. Se quisermos libertar-nos dos Dr. Jekyll e Mr. Hyde que têm povoado a nossa cena política, há que reconhecer o esforço de identificação e debate público de alternativas viáveis ao caminho austeritário que nos querem impor novamente.
Robert Louis Stevenson escreveu um outro livro bem conhecido, “A Ilha do tesouro”. Faço votos para que este título possa, muito em breve, servir de inspiração ao meu Bloco de Notas.
Após três anos de Mr. Hyde, o mau, temos o Dr. Jekyll, afável e bondoso