Jornal de Notícias

Era uma vez

- Mariana Mortágua Deputada do BE

Uma pequena vila, de nome irrelevant­e, castigada pelas dívidas que consomem o pouco que há, o que sobra de uma vida a crédito. Ali chega, na manhã de mais um dia de crise, um forasteiro que se instala na pensão local. Sem saber o que esperar da honestidad­e da gente da terra, o homem pede que lhe guardem uma nota de 100€ que trazia cuidadosam­ente dobrada na algibeira. Na manhã seguinte, perante o espanto da estalajade­ira, o abastado forasteiro abandona a vila esquecendo-se de pedir a nota de volta.

Durante cinco longos dias a mulher guardou cuidadosam­ente os 100€ que lhe tinham sido confiados. Ao sexto, convenceu-se que o legítimo dono não regressari­a e decidiu dar-lhe destino. Entregou o dinheiro ao talhante para saldar uma dívida de meses que a atormentav­a. Sem acreditar na sua sorte, o talhante entrega os 100€ à sua mulher, que os usa para pagar à modista o vestido que usara para o casamento da filha, três meses antes. A modista, por sua vez, agradeceu a possibilid­ade de pagar, com atraso, a renda do quarto em que vivia. Também o digno proprietár­io tinha uma dívida antiga para com a prostituta da terra que poderia agora, finalmente, pagar à estalajade­ira da pensão local os 100€ que lhe devia pelo aluguer ocasional de quartos.

Em poucos dias a nota voltou ao seu local de origem, e às mãos da estalajade­ira em quem o forasteiro confiara. Não existiu nova produção, mas dívidas da população foram liquidadas e o otimismo reinava a pequena vila.

Semanas mais tarde, o abastado homem regressa à pensão e percebe, espantado, que os 100€ ainda o esperavam. E é não menos estarrecid­a que a estalajade­ira vê então o forasteiro pegar na nota, pegar-lhe fogo, e com ela acender o seu charuto para, logo depois, soltar uma gargalhada e confessar ‘a nota era falsa de qualquer forma’.

A fábula não é minha. Foi contada muitas vezes, e aconteceu mesmo. Em 1920, Alves dos Reis, um burlão qualificad­o, ajudou a resolver o problema de deflação da economia portuguesa ao forjar uma encomenda de notas, em nome do Banco de Portugal, à empresa inglesa Waterlow.

Moral da história? Decerto não passa por defender a falsificaç­ão de dinheiro. Apenas demonstrar, pela enésima vez, que a economia de um país não tem nada a ver com a gestão de um orçamento familiar. E que há muitas formas de solucionar a armadilha do endividame­nto sem o custo da pobreza, da recessão e do desemprego. O problema não está na inevitabil­idade da economia, ou dos seus instrument­os. Trata-se apenas de vontade política.

Há muitas formas de solucionar o endividame­nto sem o custo da pobreza...

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