O Europeu está aí. Com pregão e sem espinhas
Metro e meio de altura, cabelo preso, galocha, bata e àvontade de sobra, Maria do Céu, peixeira da cabeça aos pés, mete conversa com a clientela do Mercado de Matosinhos há uma vida. “O que é que as riquezas vieram cá fazer?”, pergunta. As “riquezas” são as jogadoras da seleção de basquetebol de sub16 que amanhã, frente à Rússia, começam a disputar o Europeu deste escalão.
Mas, para já, a pontaria pouco conta. O desafio, por agora, é convencer peixeiras e fregueses a aparecerem no Centro de Desportos e Congressos de Matosinhos para assistir aos jogos e fazerem claque. Por isso, a bola e a tabela também vieram. “Ainda vou ali tentar, então não vou?”, diz Maria do Céu.
Antes, as internacionais portuguesas têm de prestar provas. “Este é um peixeespada”, atira uma, já a querer dominar a matéria. Entre perguntas e esclarecimentos, percorrem as bancas do mercado a bom ritmo e lá chega a parte das lagostas. Quem quer pegar numa? Olhares desconfiados e interjeições de nojo antes de a corajosa Eliana se aventurar.
Pelo meio, vão ouvindo conselhos, de quem lhes ganha aos pontos... nos cabelos brancos. “Este mulherão tão jeitoso tem de comer peixe, não é só carne”, reclamam as varinas. Entre o robalo e a garoupa, a bola de básquete entra em campo. Mérito do treinador Agostinho Pinto, que desafia Helena. Força a mais ou jeito a menos, a bola lá atinge, ao de leve, a barriga da peixeira. “Ai é? Então espera que já te acerto...”, responde de pronto, completando a frase com uma expressão não reproduzível, de quem promete atingi-lo numa zona dolorosa.
Hora do pregão. E de novo a extremo Eliana a mostrar dotes. “Olha a bola de báaaaaaaasquete fresquinha”, solta, para gargalhada geral, entrando num despique de vários minutos com uma das varinas.
Mas os papéis haveriam de se inverter, quando as peixeiras foram desafiadas a testar a pontaria. “Ponha a mão direita por baixo e dobre as pernas”, ajudam as mais novas. Helena lá vai tentando e, ao fim de umas quantas vezes, não é que acerta?! As jovens fãs da seleção nacional regozijam-se, ainda que a MVP da manhã tenha sido Maria do Céu, que encestou à primeira.
“Estou um bocado cansada. A bola é muito pesada, mas ainda fiz um golinho”, diz, ainda ofegante, sem se aperceber que entre o golo e o cesto vai uma diferença maior daquela que separa o carapau da sardinha.
E voltando atrás, a “cachopa”, afinal, tem jeito para o pregão? “Já lhe disse que quando deixar de jogar, vem vender peixe”. A promessa está feita. Mas, para já, importante mesmo é vingar num campeonato que se espera... sem espinhas.
Eliana perdeu o medo da lagosta. Helena lá fez “um golinho”
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