A banha da cobra
Como é que se pode ter confiança num candidato a primeiro-ministro (cartaz mais recente do PS), que se permite utilizar a imagem de uma mulher que trabalha numa junta de freguesia presidida pelo próprio partido, dizendo-se falsamente em outdoors espalhados pelo país que se encontra desempregada desde 2012 e para o atual Governo não existe? Resposta: – Nenhuma confiança. Um ato de campanha assente no engano premeditado, para exploração emocional do fenómeno do desemprego, curiosamente no exato momento em que se registaram, pela primeira vez, números abaixo dos de 2011 – 12,4 % contra 12,7 % – diz tudo sobre o que está em causa e só se pode rejeitar; A política feita dissimulação, instrumentalização, encenação, cinismo.
O mundo jurídico consagra a proibição do “venire contra factum proprium”, para impedir que alguém tente destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando a seu favor determinada causa que criou e tornou inevitável, mas que apesar disso utiliza como fundamento. A proibição cai no âmbito do “abuso de direito”, considerado ilegítimo por o seu titular exceder os limites impostos pela “boa-fé”. Uma regra equivalente faria muita falta à política.
O PS perdeu as eleições em 2011, depois de um período trágico na governação, que determinou a intervenção externa da troika. O PS negociou, a começar, o programa de ajustamento que a atual maioria foi forçada a executar. O PS fez em 2011 previsões de agravamento das taxas de desemprego para os anos seguintes, que assumiu consequência inevitável desse ciclo de austeridade. O PS tem como dirigentes e deputados a maior parte daqueles que governaram com Sócrates até à derrota nas urnas. Mas nem por isso – ou por pudor que fosse – este PS se inibiu da tentativa de aproveitamento político do fenómeno, ludibriando os eleitores como se viu.
Percebe-se o desespero de causa. Apesar do ciclo de excecionalidade, imposto por um memorando com impacto recessivo, o PSD e o CDS garantiram a redução dos níveis de desemprego, ainda altos, para valores que os socialistas nunca admitiram possíveis. Se assim foi, é de acreditar que governando em tempos de normalidade, sem intervenção da troika, conseguirão muito melhor.
Em compensação, os socialistas limitaram-se a defender como alternativa por cá o que o Syriza quis para a Grécia. Deixaram fácil de ver o que Portugal seria se António Costa tivesse mandado.
Cartazes pensados ao jeito da banha da cobra são neste caso mais do que um mero pormenor. Um partido com tantas culpas que apela ao voto em cima de um exercício de faz-de-conta não merece vencer eleições. Tão simples quanto isto.
Um partido que apela ao voto em cima de um exercício de faz-de-conta não merece vencer eleições.