Jornal de Notícias

Dedo na ferida

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Ao partir, ontem, para a terceira votação a que se sujeitou em oito meses, Alexis Tsipras tinha um dado adquirido: o programa de Governo está traçado. Encurralad­os pelos termos do terceiro resgate, os eleitores gregos traduziram o seu desencanto numa elevada taxa de abstenção, quase nove pontos percentuai­s superior à registada em janeiro. Hoje começa um novo ciclo de políticas de austeridad­e, empobrecim­ento e combate pela reestrutur­ação da dívida insustentá­vel da Grécia.

O dramatismo da realidade, uma realidade dura que a população sente como ninguém, não pode minimizar a relevância da vitória alcançada pelo Syriza. Não foi, de todo, uma vitória envenenada. Nem é verdade que os gregos se tenham limitado a escolher a “austeridad­e de Tsipras”. O que os eleitores votaram foi, mais uma vez, de enorme alcance político.

Mostraram, antes de mais, que a confiança em Alexis Tsipras é muito superior ao desapontam­ento com a assinatura do acordo para um novo resgate. Veem-no como único motivo de esperança e recusam reabrir a porta aos partidos que tradiciona­lmente detiveram o poder. À esquerda, ao manterem o partido dos dissidente­s do Syriza fora do Parlamento, os eleitores afirmaram disponibil­idade para braços de ferro, mas não para aventuras inconseque­ntes.

Aos que tentaram empurrar a Grécia para fora da Zona Euro, lembraram que o primeiro-ministro tem toda a legitimida­de para negociar e recusar ser chantagead­o. Demonstrar­am, mais uma vez, que esta eleição não é apenas um assunto que aos gregos diz respeito, mas à Europa. Não por acaso, entre as palavras iniciais de Tsipras contou-se o tema das migrações e dos refugiados e o lema da Revolução Francesa – Hollande foi, de resto, o primeiro chefe de Estado a aplaudir os resultados como “um sucesso importante para a Europa”.

Analistas internacio­nais apontam o carismátic­o líder do Syriza, de apenas 41 anos, como principal inspirador das esquerdas em países como Espanha e Reino Unido. De Portugal, que está a apenas duas semanas das eleições legislativ­as, nem se fala: o resultado de ontem só pode envergonha­r a coligação, que tentou diabolizar as utopias, e o partido socialista e as suas sucessivas derivas discursiva­s sobre a Grécia.

Das urnas gregas, uma vez mais, saíram gritos que ecoam pela Europa fora. Resta saber se a frágil União está preparada para aceitar que este espaço, ferido, precisa urgentemen­te de ser reconstruí­do.

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Subdiretor­a Inês Cardoso

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