As “divisões” de António Costa
Nunca se tinha assistido a uma coisa assim nestes quarenta anos. Em 1975, é certo, as eleições foram para a Assembleia Constituinte mas logo ali se definiu um “padrão”. Corria o processo revolucionário, o MFA, dominado pelo PC e pela extrema-esquerda, desconfiava de sufrágios representativos e, todos juntos, pareciam muitos. Viu-se que não eram. A “dinamização cultural” levada até às mais remotas aldeias de Portugal – por vezes com direito a transmissão na televisão única –, feita na rua, em agremiações locais ou em cima de carros de combate, falhou a tentativa de usurpação do voto livre. Os governos provisórios atingiram o número de seis e foi um deles, chefiado pelo militar e engenheiro Vasco Gonçalves, que presidiu àquela eleição. Não se sucedeu um executivo concordante com os resultados eleitorais favoráveis aos socialistas e aos populares-democratas. Pelo contrário, a “vanguarda” ancorada em parte do MFA, no PC e na extrema-esquerda precipitou-se em fazer seu o poder político-militar ao arrepio daquilo que o “povo” ditara nas urnas. PS e PPD/PSD deixam a revolução ao abandonarem o Governo provisório que a defendia e, em certo sentido, “guiava”. Só regressariam com Pinheiro de Azevedo e, mesmo assim, foi preciso esperar pelo 25 de Novembro para, aos poucos, a legitimidade revolucionária se acalmar para dar lugar à democrática. Em todas as eleições legislativas subsequentes foi sempre a legitimidade democrática que prevaleceu. Sabiase quem é que ia chefiar o Governo, com ou sem maiorias parlamentares, e jamais voltou a ser posta em causa essa legitimidade. Mas parece que estávamos, afinal, condenados a rever o historial do regime de 1974-1975 pela mão de quem menos se esperava: o líder do partido que na altura mais se bateu pela causa da democracia representativa contra a deriva “vanguardista”. António Costa – derrotado em 4 de Outubro, aspirante a governar em maioria absoluta do PS sem nunca ter afirmado perante o “povo” que podia tentar o “frentismo” voluntarista proposto pelo PC e pelo Bloco se perdesse, ao arrepio do lastro democrático-liberal que o seu partido determinantemente ajudou a fundar a partir de 1975, primeiro nas ruas e na opinião pública e, depois, nas instituições e no Estado – preferiu confinar o PS a um organismo de tipo soviético submetido à vontade do líder. Costa, qual Estaline, anda de porta em porta a perguntar quantas “divisões” têm os outros. Não quer compromisso. Quer guerra.
Costa anda de porta em porta a perguntar quantas “divisões” têm os outros. Não quer compromisso. Quer guerra.