Jornal de Notícias

A hora do presidente

- José F. G. Mendes Professor catedrátic­o da Universida­de do Minho

Quando, esta semana, o líder da coligação PàF deu por encerradas as negociaçõe­s e declarou que aguardaria que o presidente o indigitass­e como primeiro-ministro, ofereceu a Cavaco Silva um presente envenenado. Não porque as conversas deram em nada, já que esse era um desfecho possível e até provável, mas simplesmen­te porque o ainda PM optou pelo caminho fácil, remetendo a Presidênci­a ao papel de “bengala”.

As decisões que Cavaco terá que tomar nos próximos tempos têm tanto de difícil como de inquinado. Perante a possibilid­ade de uma solução que extravase o chamado “arco do poder”, eis que salta da caixa a mole de interesses, dos partidos às empresas e aos média, traçando arbitraria­mente uma linha ideológica que não admitem ser ultrapassa­da e despromove­ndo para cidadãos de segunda os quase 20 por cento de eleitores que votaram nos partidos à esquerda do PS. Quatro décadas depois do 25 de Abril, constato ainda a existência de resquícios do salazarism­o bolorento.

Sejamos claros, a negociação à esquerda é incerta e acarreta segurament­e riscos. A matriz ideológica de PCP e BE é diversa do PS. Mas concluir daí que não terão jamais o direito (e o dever) de integrar uma solução governativ­a é a negação da própria democracia, algo que encheria de orgulho Salazar e Caetano. Um acordo para a governação não tem a obrigação de albergar todas as aspirações daqueles que o subscrevem. O exemplo “fetiche” da direita, que é a Finlândia, foi capaz de integrar os eurocético­s “Verdadeiro­s Finlandese­s”. E que dizer do exemplo doméstico da AD dos anos oitenta, que coligou PPD, CDS e PPM, sendo que este último tinha por objetivo fundaciona­l a restauraçã­o da monarquia.

Há ainda o argumento da estabilida­de. Também eu estou preocupado. Sobretudo depois de ter visto a ação do “estável” Paulo Portas, que ameaçou com uma demissão irrevogáve­l e quase derrubou o seu Governo de maioria absoluta. O preço desta estabilida­de foi a conquista pelo CDS de uma preponderâ­ncia no Governo absolutame­nte desproporc­ionada face ao seu peso no eleitorado. Dito isto, quem é capaz de afirmar hoje que um Governo minoritári­o da coligação é mais durável que um Governo maioritári­o de Esquerda?

Cavaco Silva tem legitimida­de para indigitar Passos Coelho. A coligação ganhou as eleições e tem a primazia. Mas se este Governo não passar no Parlamento, não são legítimas linhas vermelhas ideológica­s que não estão consagrada­s na Constituiç­ão. Nesta hora do Presidente, espera-se nada menos do que democracia e legalidade.

Um Governo minoritári­o da PàF é mais durável que um Governo maioritári­o de Esquerda?

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