A hora do presidente
Quando, esta semana, o líder da coligação PàF deu por encerradas as negociações e declarou que aguardaria que o presidente o indigitasse como primeiro-ministro, ofereceu a Cavaco Silva um presente envenenado. Não porque as conversas deram em nada, já que esse era um desfecho possível e até provável, mas simplesmente porque o ainda PM optou pelo caminho fácil, remetendo a Presidência ao papel de “bengala”.
As decisões que Cavaco terá que tomar nos próximos tempos têm tanto de difícil como de inquinado. Perante a possibilidade de uma solução que extravase o chamado “arco do poder”, eis que salta da caixa a mole de interesses, dos partidos às empresas e aos média, traçando arbitrariamente uma linha ideológica que não admitem ser ultrapassada e despromovendo para cidadãos de segunda os quase 20 por cento de eleitores que votaram nos partidos à esquerda do PS. Quatro décadas depois do 25 de Abril, constato ainda a existência de resquícios do salazarismo bolorento.
Sejamos claros, a negociação à esquerda é incerta e acarreta seguramente riscos. A matriz ideológica de PCP e BE é diversa do PS. Mas concluir daí que não terão jamais o direito (e o dever) de integrar uma solução governativa é a negação da própria democracia, algo que encheria de orgulho Salazar e Caetano. Um acordo para a governação não tem a obrigação de albergar todas as aspirações daqueles que o subscrevem. O exemplo “fetiche” da direita, que é a Finlândia, foi capaz de integrar os eurocéticos “Verdadeiros Finlandeses”. E que dizer do exemplo doméstico da AD dos anos oitenta, que coligou PPD, CDS e PPM, sendo que este último tinha por objetivo fundacional a restauração da monarquia.
Há ainda o argumento da estabilidade. Também eu estou preocupado. Sobretudo depois de ter visto a ação do “estável” Paulo Portas, que ameaçou com uma demissão irrevogável e quase derrubou o seu Governo de maioria absoluta. O preço desta estabilidade foi a conquista pelo CDS de uma preponderância no Governo absolutamente desproporcionada face ao seu peso no eleitorado. Dito isto, quem é capaz de afirmar hoje que um Governo minoritário da coligação é mais durável que um Governo maioritário de Esquerda?
Cavaco Silva tem legitimidade para indigitar Passos Coelho. A coligação ganhou as eleições e tem a primazia. Mas se este Governo não passar no Parlamento, não são legítimas linhas vermelhas ideológicas que não estão consagradas na Constituição. Nesta hora do Presidente, espera-se nada menos do que democracia e legalidade.
Um Governo minoritário da PàF é mais durável que um Governo maioritário de Esquerda?