A política no café
Os dias têm tido um cheiro a novo. Debate-se o quanto é inédito, na política nacional, equacionar cenários que não sejam o partido mais votado formar Governo. Ouvem-se palavras azedas, trocam-se argumentos constitucionais e políticos, lançam-se os dados. A espera inquieta. E a novidade, a muitos, assusta. Os portugueses estão divididos, diz-se. Felizmente. Algo estaria mal se houvesse um único tom ou vontade. A democracia é o palco onde as diferenças podem encontrar-se.
Certeza, à partida para uma semana que deverá ser decisiva, apenas uma: teremos uma solução de Governo instável e sujeita a constantes negociações. A coligação PSD/CDS não tem deputados suficientes para assegurar apoio parlamentar. O PS aliado à Esquerda estará, já se percebeu, obrigado a garantir a cada momento a viabilização das suas políticas. A instabilidade tem inconvenientes óbvios, mas não tem de ser um drama. A instabilidade maior é a do discurso tradicionalista de que apenas em maioria se podem fazer reformas estruturais (como se os anos de troika não tivessem sido, a este nível, uma oportunidade perdida) ou assegurar o cumprimento de metas orçamentais.
A vontade dos eleitores expressa-se nas urnas. E neste caso essa vontade revelou-se difusa e capaz de abrir caminho a diversas soluções. De nada adianta a tantos comentadores ou atores políticos tentar reduzir o que os eleitores disseram a uma interpretação única. Os portugueses disseram, com o voto, muitas coisas diferentes.
Esta semana, haverá respostas. Nenhuma agradará a todos. E será sempre possível fazer leituras catastrofistas. Os mercados, os compromissos, o fantasma de eleições antecipadas. Trata-se, em qualquer solução, apenas da democracia a funcionar. E nisso apenas consigo vislumbrar vantagens. O chamado arco de governação saiu do seu eixo. Mas, acima de tudo, a política saiu do Parlamento e de Belém e desceu à mesa do café. Se há algo que duas semanas de incerteza conseguiram foi promover o debate público sobre as configurações possíveis do Governo pelo qual se espera, sobre o papel do presidente da República ou ainda sobre o que está inscrito na Constituição, tão citada mas ao mesmo tempo tão desconhecida. Há muito que não se discutiam opções de forma tão acalorada. O que, independentemente do resultado, só pode significar acréscimo de espírito cívico e crítico. Nisso, ao menos, já ganhámos.