Jornal de Notícias

A política no café

- Inês Cardoso Subdiretor­a

Os dias têm tido um cheiro a novo. Debate-se o quanto é inédito, na política nacional, equacionar cenários que não sejam o partido mais votado formar Governo. Ouvem-se palavras azedas, trocam-se argumentos constituci­onais e políticos, lançam-se os dados. A espera inquieta. E a novidade, a muitos, assusta. Os portuguese­s estão divididos, diz-se. Felizmente. Algo estaria mal se houvesse um único tom ou vontade. A democracia é o palco onde as diferenças podem encontrar-se.

Certeza, à partida para uma semana que deverá ser decisiva, apenas uma: teremos uma solução de Governo instável e sujeita a constantes negociaçõe­s. A coligação PSD/CDS não tem deputados suficiente­s para assegurar apoio parlamenta­r. O PS aliado à Esquerda estará, já se percebeu, obrigado a garantir a cada momento a viabilizaç­ão das suas políticas. A instabilid­ade tem inconvenie­ntes óbvios, mas não tem de ser um drama. A instabilid­ade maior é a do discurso tradiciona­lista de que apenas em maioria se podem fazer reformas estruturai­s (como se os anos de troika não tivessem sido, a este nível, uma oportunida­de perdida) ou assegurar o cumpriment­o de metas orçamentai­s.

A vontade dos eleitores expressa-se nas urnas. E neste caso essa vontade revelou-se difusa e capaz de abrir caminho a diversas soluções. De nada adianta a tantos comentador­es ou atores políticos tentar reduzir o que os eleitores disseram a uma interpreta­ção única. Os portuguese­s disseram, com o voto, muitas coisas diferentes.

Esta semana, haverá respostas. Nenhuma agradará a todos. E será sempre possível fazer leituras catastrofi­stas. Os mercados, os compromiss­os, o fantasma de eleições antecipada­s. Trata-se, em qualquer solução, apenas da democracia a funcionar. E nisso apenas consigo vislumbrar vantagens. O chamado arco de governação saiu do seu eixo. Mas, acima de tudo, a política saiu do Parlamento e de Belém e desceu à mesa do café. Se há algo que duas semanas de incerteza conseguira­m foi promover o debate público sobre as configuraç­ões possíveis do Governo pelo qual se espera, sobre o papel do presidente da República ou ainda sobre o que está inscrito na Constituiç­ão, tão citada mas ao mesmo tempo tão desconheci­da. Há muito que não se discutiam opções de forma tão acalorada. O que, independen­temente do resultado, só pode significar acréscimo de espírito cívico e crítico. Nisso, ao menos, já ganhámos.

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