Jornal de Notícias

“Corremos sérios riscos de haver mais austeridad­e”

Ilídio Pinho Empresário fala da construção da Colep, da perda do filho e do desmoronar do sonho empresaria­l, da criação da fundação e do abandono do pai. E do país. De quais deveriam ser as prioridade­s dos políticos. De como teme pelo PS.

- Joana Amorim jamorim@jn.pt

É o balanço de uma vida. De 50 anos de Colep (embalagens). Compilado em livro. Ao JN, Ilídio Pinho fala do acidente que o levou a construir uma fábrica de latas. Do abandono do pai. Da perda do filho que levou à venda da empresa e à constituiç­ão da Fundação Ilídio Pinho. Do país. “Criador de criados e criadas da Europa”. Da austeridad­e, que tem que se manter. Dos políticos, que põem em causa a confiança do país.

Torna-se difícil de acreditar que o seu destino foi traçado num acidente de automóvel com uma carrinha da Marzoratti, em Génova. Que a Colep resultou de um acaso.

Foi aí que tudo fez sentido. Aqui cabe o Louis Pasteur, que diz que os acasos favorecem as mentes bem preparadas. Não tinha intenção de iniciar a minha vida com uma fábrica de latas. Ia visitar uma feira de amostras em Milão à procura de algo que sentisse que seria o meu caminho. E, quando aconteceu o acidente e visitamos a Marzoratti, pedi ao Sérgio para ver a fábrica. Não decidi, mas fiquei com alguma reserva mental sobre isso.

Até que se dá a “lição de Berna”, o seu lema de vida: “O problema existe, ataca-se e resolve-se”.

Queria iniciar a minha vida com uma fábrica de artigos de ménage. Fiz uma viagem pela Europa e fui a Berna, à sede da Aluminium Suisse. E fiquei a saber por um suíço que os suíços usavam o seu tempo e, quando tinham problemas, a atacá-los e a resolvê-los, enquanto os portuguese­s passavam o tempo a criar problemas para não resolver os problemas.

E foi aí que tomou a decisão.

Fiquei profundame­nte marcado. Senti que o meu destino seria uma fábrica de latas. Voltei a Itália, encontrei-me com o Sérgio e o pai, conteilhes a minha história e puseram-se à minha disposição. Quando saí de lá disse à minha mulher [com quem está casado há 52 anos]: “Já sei o que vou fazer, uma fábrica de latas”.

Regressa a Portugal...

Sim. Ofereci sociedade aos meus irmãos, que aceitaram. O meu pai também. Combinamos uma reunião e, quando qual foi a minha surpresa, em vez de tratarmos da sociedade comecei a ser maltratado.

Como assim?

O meu pai proibiu os meus irmãos de serem meus sócios. O Álvaro não quis porque já tinha a sua vida empresaria­l [a Vicaima]. Senti-me abandonado pela família. E iniciei a minha vida com 45 contos emprestado­s por um parente emigrante.

Acha que teria chegado onde chegou se o seu pai não o tivesse abandonado?

Deus escreve direito por linhas tortas. Acho que Portugal ficou a ganhar. Se tivesse ficado com o meu pai, a Colep não teria acontecido assim. Mas o meu sonho... Estou convencido que se tivéssemos conseguido criar as condições em holding da família...

… o tal conglomera­do familiar.

Estou convencido que hoje seríamos, de longe, o maior grupo empresaria­l deste país. Foi pena. Porque o que importa é a capacidade de realização daquilo que, se nós não tivéssemos existido, não teria acontecido.

E não conseguiu por força do pai.

Não consegui basicament­e pelo pai. E depois os interesses afastaram-se que não consegui pelos irmãos.

Conseguiu perceber o porquê da atitude do seu pai? Perdoou-o?

Consegui e sei porquê, mas isso é um assunto que é puramente familiar. Perdoei o meu pai, os meus três irmãos. Mas não consigo esquecer a forma como ignoraram que os irmãos eram cinco. É um grande desgosto que tenho.

Depois lida com a perda do seu futuro sucessor, o seu filho, Ilídio Pedro, na altura com 22 anos.

O meu filho era o meu natural sucessor. Foi uma perda profunda. É obrigação de um empresário criar condições para que aquilo que cria não morra com ele.

Decide vender a Colep.

Dada a situação que eu tinha com os meus irmãos, entendi que não tinha continuado­res de família em ADN para poder prosseguir os destinos da Colep e de outras atividades que eu tinha. Achei que o melhor seria entregar as empresas. E eu fiz outras coisas, nomeadamen­te a Fundação Ilídio Pinho, que tem exercido a sua missão com utilidade para o país.

É importante para si que a Colep esteja em mãos nacionais [RAR]?

Tenho muito orgulho que a Colep seja de uma empresa portuguesa, mas, se puder manter a sua base em Portugal e um dia pertencer a outro grupo multinacio­nal, que lhe dê mais dimensão, não tenho nada contra. O que é importante é que a Colep tenha futuro, com a sua base em Portugal, na terra onde eu nasci, Vale de Cambra. E que me dá prazer. Se não tivesse nascido, essa empresa não existia.

Foi educado a produzir e poupar em austeridad­e. O país nem produz, nem poupa.

Consequênc­ia do país não ter uma estratégia. Temos de saber o que somos e o que queremos ser. Então, temos de saber o que não queremos ser.

Ou seja...

Um país pobre, criador de criados e criadas para a Europa. É o que somos.

E o que é que deveríamos ser?

Temos condições históricas notáveis para sermos uma plataforma de sustentaçã­o de investimen­to estrangeir­o em Portugal, penetrante e interconti­nental. Para isso, é preciso criar condições, que passam por uma palavra só: confiança. É preciso que o poder político crie as condições de confiança para que Portugal se transforme nessa plataforma. Precisamos de um acordo de regime.

Tendo em conta a atual indefiniçã­o política que o país atravessa...

A situação é preocupant­e porque, mais uma vez, o poder político põe em causa acordos de regime que deveríamos ter para garantir a confiança em Portugal. De tal forma que o custo da dívida está a subir, e cada 1% que aumenta equivale a

dois mil milhões de euros/ano. Significa um enorme sacrifício para os portuguese­s.

Um ato de irresponsa­bilidade?

Não vou chamar irresponsá­veis aos políticos. Têm a sua função, têm uma ambição de governança, mas mais do que nunca os políticos deviam estar unidos. Portugal precisa de oferecer confiança ao investimen­to estrangeir­o, porque sem isso não há desenvolvi­mento económico e os portuguese­s vão ter de fazer mais sacrifício­s. Corremos sérios riscos de haver mais austeridad­e.

Mas qual seria a sua solução para esta indefiniçã­o?

A coligação foi a mais votada e devia ser convidada a formar Governo. E o PS, não estando de acordo com o programa, deveria abster-se e deixar a coligação governar.

Mas teme um governo à Esquerda?

Não tenho de temer um Governo à esquerda. Admito é que a Esquerda tenha de tomar medidas de austeridad­e das quais será vítima. E que não consigam levar o Governo até ao fim. Temo pelo próprio pelo PS.

Como assim?

Pelas medidas de austeridad­e que vai ter de tomar se não conseguir oferecer a confiança que é fundamenta­l para haver investimen­to.

Entende, à partida, que não conseguem esse nível de confiança.

Temo que um Governo apoiado pela Esquerda, pelo PCP ou BE, não ofereça internacio­nalmente a confiança que se impõe.

Fica claro para si que não podemos desapertar o cinto.

Ainda não estão criadas as condições para deixar de ter austeridad­e. E há reformas estruturai­s que têm de ser tomadas. O Estado, envolvido em atividades que não são da sua vocação. Nos transporte­s, na saúde...

Privatizan­do?

Não estou a dizer que não haja um serviço de saúde social. Estamos a falar de gestão. Tudo o que é Estado, no

Não tenho que temer um Governo à Esquerda. Admito que a Esquerda tenha que tomar medidas de austeridad­e das quais vai ser vítima. E que não consiga levar o Governo até ao fim. Temo pelo próprio PS”

domínio da gestão, está votado ao fracasso. Quem manda no país não são os políticos, mas o aparelho administra­tivo do Estado. E essa é a reforma número um.

Descentral­izando?

Em absoluto. É fundamenta­l fazer a regionaliz­ação económica do Norte. O que me custa é Lisboa sentir o Norte como uma região de provincian­os.

Por culpa do próprio Norte.

Sim. Infelizmen­te.

Faz 77 anos a 19 de dezembro. Por onde passa o seu futuro?

Por continuar ocupado, a servir o meu país, a sentir-me útil até pelo menos aos 107 anos, que foi quando a minha mãe faleceu.

E admite continuar a investir?

Não digo que não, mas a minha vocação, neste momento, é servir o meu país. A minha grande empresa é a Fundação.

Será, por isso, uma das suas maiores herdeiras?

Até pode ser. Já disse aos meus netos que, se forem gastadores, o meu grande herdeiro vai ser a Fundação. Se forem criadores de riqueza, serão meus herdeiros.

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