Marcelo é criador de factos políticos e pode induzir instabilidade ao exercício de um cargo como o de presidente da República”
Maria de Belém Candidata
Maria de Belém garante ser melhor escolha para presidente da República do que Sampaio da Nóvoa, que acusa de só ter chegado agora à política; e do que Marcelo Rebelo de Sousa, que a seu ver não tem a maturidade necessária, mas sim características que “podem induzir instabilidade”. A ex-ministra da Saúde recusa ser uma candidata de fação no PS e fala do momento em que disse a António Costa que ia avançar e lhe sugeriu que só tomasse posição na segunda volta. Sobre o Governo, considera legítimo que Cavaco Silva tenha indigitado Passos Coelho, mas avisa que, a partir da discussão do programa, quem assume funções nesta matéria é o Parlamento e o presidente deve respeitar as suas decisões.
Por que quer ser candidata à Presidência da República?
Considero que devo pôr a minha experiência e o meu conhecimento ao serviço do país. Tenho mais de 40 anos de vida pública, em sítios muito variados que me deram profundo conhecimento da Administração Pública, das instituições e dos problemas reais dos portugueses. Tenho grande experiência internacional e também governativa.
Que vantagem acredita ter em relação a Sampaio da Nóvoa?
Tenho um perfil de grande experiência política. Não cheguei agora à política. Não começo o exercício da política com uma candidatura à Presidência da Re- pública. Já fui ministra, fui deputada, representei o país em múltiplas situações, fui presidente da Assembleia Mundial de Saúde, desempenhei inúmeros cargos que me deram o conhecimento e o reconhecimento que são importantes para o desempenho da chefia do Estado. Aprendi imenso na Misericórdia de Lisboa e no Instituto Português de Oncologia. Vi e aprendi coisas que reforçaram a minha capacidade de lidar com situações de enorme complexidade. Os portugueses conhecem-me. É mais fácil apostar em alguém conhecido, que foi testado no exercício de funções, muitas delas em grande tensão. Tenho um perfil que me permite arbitrar conflitos e resolvê-los.
“Não cheguei agora à política. Não começo o exercício da política com uma candidatura à Presidência da República”
Sente-se responsável por o PS ir dividido nas presidenciais?
Não. A candidatura à Presidência da República releva de uma vontade de cidadania. A Constituição define as regras segundo as quais qualquer cidadão português pode candidatar-se. E o PS não se manifestou a favor de nenhum candidato. Cada vez mais socialistas me apoiam. E muita gente de enorme prestígio. Isso significa que há um espaço próprio, e em crescimento, para a minha candidatura.
Já era conhecida a aproximação de António Costa a Sampaio da Nóvoa, que elogiou enquanto independente “próximo da família socialista”.
Isso não é importante. O importante é que quem decidiu candidatar-se se submeta ao escrutínio dos eleitores. O que pretendo é que o leque de possibilidades de escolha dos eleitores possa ser alargado, que cada candidato contribua para um debate que retire da abstenção muitos eleitores.
A Esquerda está em desvantagem face à Direita por não apoiar uma candidatura única a Belém?
De forma alguma. Não há vencedores antecipados. Estou aqui para disputar e ganhar uma segunda volta e as candidaturas nunca são prejudiciais. É importante, nesta fase, que se possam discutir ideias diferentes.
E os socialistas não correm o risco de reeditar a luta de 2006, em que se dividiram entre Manuel Alegre e Mário Soares dando a vitória a Cavaco Silva?
Creio que não, pelo contrário.
Desta vez, o candidato da Direita é Marcelo Rebelo de Sousa. Como avalia esta candidatura?
Evidentemente que considero que tenho características diferentes, que passam não só pela minha experiência em cargos públicos, como também pela minha maturidade e serenidade. É alguém que estimo imenso, mas que vejo sempre mais como comentador. É ele próprio criador de factos políticos. Estas características podem induzir instabilidade ao exercício de um cargo como o de Presidente da República, que deve ser de uma enorme fiabilidade, maturidade e serenidade. Tenho na minha candidatura muita gente da área político-ideológica de Marcelo Rebelo de Sousa. Por alguma razão será assim.
Revelou que seria candidata na pré-campanha. Por que escolheu esse timing, após o líder ter pedido que o PS se concentrasse nas legislativas?
Também pedi para o partido se concentrar nas legislativas e por isso não apresentei a candidatura antes, embora tivesse informado o secretário-geral a 30 de julho que tinha decidido candidatarme. Na sequência de declarações, numa entrevista de António Costa, que deram como certo, nas análises feitas nos vários órgãos de comunicação social e por comentadores, que havia já o apoio declarado do PS a um candidato, entendi que devia divulgar antes das legislativas que seria candidata. Embora apresentando a candidatura só depois. Informei previamente o líder dessa divulgação.
Na manhã em que esteve a seu lado, na entrega das listas de deputados?
Informei António Costa de que, nesse mesmo dia, iria fazer sair uma comunicação dizendo que seria candidata.
O que pensa da decisão de o PS só tomar posição numa segunda volta?
Foi a solução que defendi junto do secretário-geral quando lhe comuniquei a minha decisão. É a opção acertada.
Enquanto ex-presidente do PS proposta em 2011 por Seguro, receia ser vista como candidata de uma fação?
Não posso ser considerada candidata de fação porque não pertenço a nenhuma fação do PS.
“Não apresentei a candidatura antes das legislativas, embora tivesse informado o secretário-geral do PS a 30 de julho que tinha decidido candidatar-me”
“Não posso ser considerada candidata de fação porque não pertenço a nenhuma fação do PS”
“Presidente deve respeitar decisões que competem aos outros órgãos”
Cavaco Silva indigitou Passos Coelho e o Governo tomou posse sob a ameaça da Esquerda de chumbar o seu programa. O que teria feito se estivesse em Belém?
O presidente da República nomeou o primeiro-ministro tendo em conta os resultados eleitorais, é uma leitura própria. E, ao fazê-lo, exerceu legitimamente as suas funções. É perfeitamente natural que tenha indigitado como primeiro-ministro o líder do partido mais votado. A partir da posse do Governo e da apresentação do seu programa, o presidente cessa a sua função e entra em funções o Parlamento. E devemos ser muito claros nesta separação de poderes que é uma marca distintiva, indispensável e estruturante das democracias. O presidente tem que respeitar as decisões relativas a competências próprias dos outros órgãos de soberania.
E se o programa da coligação for chumbado, como promete toda a Esquerda, António Costa deve ser indigitado primeiro-ministro?
Não vou antecipar-me a situações que não ocorreram, seria evitar a fase de discussão no Parlamento do programa de Governo. Não sou uma candidata comentadora.
Na tomada de posse do novo Executivo, Cavaco mudou de discurso e abriu a porta à Esquerda?
Foi um discurso mais aberto, em termos da provável atuação do presidente no caso de o programa do Governo agora empossado ser chumbado no Parlamento, embora tenha defendido um conjunto de balizas para além do que acho que é o seu papel. Deve ser exigente no cumprimento dos compromissos internacionais. Mas em tudo o que sejam balizamentos para além desta área, o Governo responde apenas perante a Assembleia e não perante o presidente da República.
E a estratégia de António Costa de negociar à Esquerda para formar
Governo foi a mais acertada?
Terminei a minha intervenção político-partidária no dia em que anunciei que era candidata à Presidência da República. Não faço nenhuma apreciação dessa natureza.
Um Governo de gestão é um cenário a evitar a todo o custo?
Relativamente a governos de gestão, na situação em que estamos e na indispensabilidade de apresentar um orçamento para cumprimento das obrigações com a União Europeia, penso que não preencheria bem esse requisito.
Qual a primeira coisa que fará se vencer as presidenciais?
Só tomarei posse em março se vencer as eleições de janeiro. Poderei ter uma situação completamente diferente daquela que se passa hoje. Não faz sentido dizer o que farei ou faria. A única coisa que possa dizerlhe é que a Assembleia da República é um órgão que também tem competências próprias definidas constitucionalmente. Afirmei, na apresentação da minha candidatura, que o meu programa é a Constituição. De acordo com as circunstâncias, serei uma fiel aplicadora da Constituição.
E isso inclui o presidente da República respeitar as maiorias parlamentares?
Com certeza.
Defende o reforço dos poderes do chefe de Estado?
Sinto-me muito confortável com as competências hoje consagradas.
Combater a pobreza é uma das suas prioridades?
Sobretudo a pobreza infantil. Enfraquece qualquer país e temos números assustadores. A pobreza infantil impede que as crianças desenvolvam os seus talentos. Podem ver as suas capacidades cognitivas definitivamente comprometidas. Esta situação é de uma injustiça atroz.