Jornal de Notícias

Fado antigo, estafado

- Afonso Camões Diretor

Já lá vão quatro semanas que fomos a eleições e, pela frente, teremos quase outras tantas até que um novo Governo se apresente diante de nós com um programa e um orçamento aprovados. Esperemos sentados, pois. No que tomou posse anteontem, nem os empossados acreditam. E dele hão de rezar os anais como um dos mais breves da nossa história democrátic­a. Lembra uma turma de milicianos paraquedis­tas antecipada­mente preparados para cair.

Bem pregou o presidente que, durante meses, foi dizendo que “é extremamen­te desejável que o próximo Governo disponha de apoio maioritári­o e consistent­e na Assembleia da República”. Por mais polémicas que possam suscitar algumas das suas palavras, havemos de concordar que “a incerteza sobre o destino de um Governo, a instabilid­ade permanente, a contínua ameaça de queda do Executivo são riscos que, na atual conjuntura, o país não deve correr”.

Mas corre. E decorre, porque é esse o quadro que resultou da vontade soberana do povo, ao eleger uma maioria de deputados hostis à coligação que nos governou nos últimos quatro anos.

Os anos da crise que nos empobreceu cavaram a desconfian­ça. Onde se desejavam pontes e diálogo acentuaram-se divisões. E está aí um tempo novo, de crispação. A responsabi­lidade coletiva dos que votaram não isenta, porém, a responsabi­lidade maior daqueles a quem confiamos a condução dos nossos destinos. A começar no próprio presidente, que não deu ouvidos a quantos, mesmo entre os conselheir­os de Estado, o exortaram a marcar eleições para antes do verão, quando perfaziam os quatro anos da legislatur­a.

Agora, temos um país adiado, sem Orçamento do Estado, e atrasado na resposta a alguns dos seus compromiss­os internacio­nais. À crise económica juntámos uma crise política cujo desfecho ainda desconhece­mos. Porque não basta afirmar uma maioria hostil aos que estão. É preciso que essa maioria se traduza numa alternativ­a positiva, clara e credível, com acordo de rumo e papel assinado.

O problema maior é que a crise tem gente dentro, pessoas reais, milhares de desemprega­dos, empresas e investidor­es com decisões suspensas ou bloqueadas, à espera de uma orientação.

Seja qual for o Governo que aí vem, lá para meados de novembro, o ano de 2016 prenuncia dificuldad­es e margem estreita. Não há mais emprego sem mais investimen­to. E não há investimen­to sem confiança. Da mesma forma que não é possível distribuir valor que não se cria. Por cá, navegação à vista é fado antigo, estafado.

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