O ACESSO AOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS NÃO É REAL E EQUITATIVO
Cerca de dois milhões de portugueses não recorrem ao médico de família O planeamento familiar, a vigilância adequada da maternidade e da saúde da criança (incluindo um programa de rastreios que permitam a deteção e intervenção precoces em tempo) e a preparação para a parentalidade, são exigências estratégicas de uma sociedade saudável. O facto de não termos ginecologistas-obstetras ou pediatras nos centros de saúde e termos tempos de espera, no acesso à generalidade das especialidades nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, incompatíveis com o tempo de desenvolvimento da criança, está a condicionar-nos como sociedade” Paula Nanita Membro do Conselho Executivo da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso
Aigualdade de acesso aos cuidados primários de saúde é uma miragem em Portugal e, por isso, entidades como a Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso (FNSBS) são fundamentais para que, no caso, crianças e mulheres possam ser tratados como iguais, independentemente da condição socioeconómica. Afinal de contas, na base do desenvolvimento humano está a saúde e, por isso, é fundamental que desde os primeiros anos de vida sejam implementados hábitos saudáveis na formação física, mental e emocional das famílias.
“Uma percentagem alta da população [portuguesa] sem médico de família e um país a duas velocidades – uma vez que as Unidades de Saúde Familiares não estão ainda generalizadas a nível nacional – são dois sinais claros de que em Portugal o pleno acesso aos cuidados de saúde primários não é ainda real e equitativo. Cobertura não está ainda a significar equidade no acesso”, denuncia Paula Nanita, membro do Conselho Executivo da FNSBS.
Numa análise mais afunilada, Paula Nanita reconhece haver a “consciência de que os cuidados de saúde primários são essenciais para, personalizadamente, monitorizar riscos, prevenir e gerir a doença, promover estilos de vida saudáveis”. E como os tempos que correm são igualmente de grande preocupação com os custos associados para a despesa pública, estes mesmos cuidados são “essenciais” para, como sociedade, haver “pessoas e comunidades mais saudáveis e maior controlo sobre a evolução da despesa de saúde (menores custos da hospitalização, por exemplo)”.
Recentemente, o ex-ministro da Saúde, Paulo Macedo, reconheceu que cerca de dois milhões de portugueses não recorreram ao médico de família, o que fez com que em 2014 40,8% dos casos os doentes poderiam ter recorrido aos centros de saúde para receberem cuidados de saúde primários. Porém, há que ter em linha de conta que cerca de 1,5 milhões de pessoas não têm médico de família. Em resumo: se houvesse uma aposta mais sólida na base do problema (leia-se cuidados de saúde primários), o Sistema Nacional de Saúde (SNS) seria mais eficaz.
Nesse sentido, Paula Nanita aponta algumas medidas necessárias para que entidades como a FNSBS possam desempenhar cabalmente o papel para o qual foram desenhadas: “Desde 2013 que temos um quadro legal que permite a evolução para um modelo de partilha de responsabilidade efetiva entre diferentes tipos de instituições, incluindo as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), visando o ‘acesso, em tempo útil’, de todos os cidadãos a cuidados de saúde ‘clinicamente adequados, com qualidade e segurança’.”
Mas há um pequeno senão. “É preciso concretizá-lo! O passo seguinte será a contratualização, através de acordos de gestão, cooperação ou convenções entre o Estado e as IPSS, para que, com qualidade, segurança e transparência, sejam colmatadas efetivamente as insuficiências do Estado como prestador [de serviços]”, defende Paula Nanita.
Qual é, então, o modelo de desenvolvimento que a FNSBS defende? “O planeamento familiar, a vigilância adequada da maternidade e da saúde da criança, incluindo um programa de rastreios que permitam a deteção e intervenção precoces, e a preparação para a paternalidade, são exigências estratégicas de uma sociedade saudável. O fato de não termos ginecologistas-obstetras ou pediatras nos centros de saúde e termos tempos de espera no acesso à generalidade das especialidades nos hospitais do SNS incompatíveis com o tempo de desenvolvimento da criança, está a condicionar-nos como sociedade.” Paula Nanita lembra que “um quarto das crianças portuguesas está em risco de pobreza”.