“Estamos a viver numa atmosfera de caos”
Venezuela Carolina Andrea Guedes Rodriguez, lusodescendente, ama aquele que diz ser o seu país, de que traça, para o JN, um retrato dramático. Vai “emigrar” para Portugal, onde tem família, em busca de estabilidade, oportunidades e liberdade de expressão
“Tenho muito orgulho no país onde nasci”. Infelizmente, o orgulho e o amor não enchem o bolso nem a barriga de Carolina Andrea Guedes Rodriguez, nascida em Caracas há 21 anos e residente no estado do Amazonas. Nem os dela, nem os de nenhum venezuelano. Daqui a semanas “emigra” para a terra dos antepassados. Portugal.
Por que quer vir para Portugal?
Emigro para Portugal no dia 28 de setembro. Por causa da situação que se vive no meu país. Vou à procura de melhor qualidade de vida e de um trabalho estável para poder ajudar a minha família aqui na Venezuela. Porque, apesar de ter um bom emprego [numa Câmara Municipal da oposição], o salário não é bom. Vou à procura de estudos de qualidade, onde não se seja julgado por se pensar de forma diferente. Abandono o meu país pelo qual tenho tanto amor porque, aqui, nós, os jovens, não temos oportunidades de crescimento. Não temos oportunidades de absolutamente nada.
Que ambiente se sente nas ruas?
Estamos a viver numa atmosfera de caos. Atravessamos uma grande crise económica, social, humanitária e política, onde as pessoas são mortas por roubarem um par de sapatos. Onde têm que dormir ao relento para poderem comprar comida. Onde a inflação – que vai nos 700% – consome o salário de todos os venezuelanos. Nos hospitais, as pessoas morrem por falta de cuidados médicos, as crianças morrem de desnutrição, as pessoas que sofrem de uma doença incurável não podem cumprir o seu tratamento, porque simplesmente não há! Somos reprimidos por pensar de maneira diferente, não temos informações confiáveis, porque a comunicação social só mostra o que o Governo relata. A Venezuela é uma ditadura onde há presos políticos e estudantes detidos que só quiseram defender o país e as pessoas. Agora negam-nos a única esperança de sairmos deste Governo de forma democrática, o referendo re- vogatório. Todos os poderes estão subordinados ao poder executivo e à má gestão deste governo corrupto e nefasto. E estas palavras são insuficientes...
Se houver um referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro, que lado ganharia?
O que aconteceu a 6 de dezembro, quando a oposição triunfou, obtendo a maioria na Assembleia Nacional, aconteceria também no referendo. Ganharia a mudança. Estamos à espera que o Conselho Nacional Eleitoral tome uma decisão. Estamos a aguardar a data para continuarmos com o próximo passo: conseguirmos reunir assinaturas de 20% do eleitorado.
Havendo a queda de Maduro, o que sucederia?
Vamos precisar de um esforço de todos os cidadãos e da ajuda de um Governo que ofereça oportunidades, não só a nós, mas aos investidores e empresários para que fortaleçam a nossa economia. Não será fácil porque o dano que Maduro fez não se vai curar rapidamente e vai demorar até haver melhorias. Mas não é impossível.
Dez de 30 ministérios são geridos por militares. O poder do Estado depende das Forças Armadas?
Eu diria que os 30 ministérios estão subordinados ao Executivo de Nicolás Maduro. O papel que cabe aos militar e sé ode garantiras egu rança eadefes ada soberania, não têm formação para ocupar cargos públicos. Mas não precisamos de ir tão longe. Se o nosso Presidente não tem estudos eé amais alta autoridade, imagine o resto dos que detêm cargos públicos. Todos são incompetentes. Vivemos à mercê de um programa castro-comunista que dita as ordens que lhe convém.
A mensagem que passa para o mundo é a da penúria nos supermercados...
A gíria é “não há”. Levantamo-nos cedo para fazer uma enorme fila e, quando chega a nossa vez, percebemos que não há absolutamente nada. Além disso, só podemos ir às compras uma vez por semana, num dia definido de acordo com o último número do nosso cartão de cidadão. Se acabar em 0 e 1, compramos à segunda-feira, em 2 e 3 – como é o meu caso – à terça, e por aí em diante. Há escassez até de produtos de higiene pessoal: sabonete, desodorizante, pasta dos dentes, pensos higiénicos... Ficava aqui o dia inteiro a enumerar.
Maduro anunciou a “Grande Missão do Abastecimento Soberano”, para “garantir o direito à nutrição e à saúde de todos os venezuelanos”...
Essa missão é uma humilhação para todos os venezuelanos, já que nos negam a oportunidade de ir a um supermercado comprar o que queremos. Esse saco miserável só traz alguns produtos de primeira necessidade que não chegam para cobrir as despesas de uma casa, até porque só recebemos duas unidades de cada produto. E isso está a levar à corrupção, já que estão a ser desviados alimentos para o mercado negro a um preço exageradamente alto.
Só podemos ir às compras uma vez por semana, num dia definido de acordo com o último número do nosso cartão de cidadão. Se for 0 e 1, vamos à segunda-feira, 2 e 3 à terça, e por aí em diante”
Vive na fronteira com a Colômbia. Já lá foi comprar produtos de primeira necessidade?
As nossas fronteiras são fluviais, por isso é mais difícil, há maior controlo das autoridades. As pessoas que conseguem fazê-lo compram produtos lá a um preço acessível e vendem-nos aqui a preços quase impossíveis.
A Venezuela e a Colômbia abriram excecionalmente as fronteiras por algumas horas...
Isso não soluciona os problemas que assolam a Venezuela. Oxalá as mantenham abertas, porque assim alguns venezuelanos poderão satisfazer as suas necessidades, mas não acredito que o façam, porque Maduro nega-se a dialogar com o país vizinho.