Enfermeiros continuam a emigrar após o Brexit
Em dois meses, quase 500 profissionais entraram em funções no Reino Unido Muitos ficam apesar do “nacionalismo extremo”
Exame de inglês condiciona inscrição de profissionais pelo regulador
Os enfermeiros portugueses continuam interessados em trabalhar no Reino Unido, após o referendo que aprovou a saída da União Europeia (Brexit). Em dois meses (de setembro a novembro de 2016), entraram em funções naquele país 461 profissionais de nacionalidade portuguesa.
O número pode parecer pequeno, mas representa quase metade das inscrições recebidas pelas entidades britânicas no ano imediatamente anterior. De setembro de 2015 a setembro de 2016, registaram-se no Conselho de Enfermagem e Obstetrícia (Nursing and Midwifery CouncilNMC) 1025 enfermeiros, apesar de notícias recentes darem conta de uma quebra nas candidaturas de estrangeiros naquele país.
Segundo a imprensa do Reino Unido, entre o referendo ao Brexit (em junho de 2016) e abril deste ano, o NMC registou uma diminuição de 96% nas candidaturas de profissionais de enfermagem. No mesmo mês de abril, revela a BBC, foram apenas 46 os que se inscreveram no NMC.
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, assegura que continua a existir interesse no Reino Unido. Em 14 anos (de setembro de 2003 a novembro último), a NMC recebeu a inscrição de 5742 enfermeiros lusos. Mas desde que o regulador britânico tornou obrigatória a aprovação do exame de inglês IELTS (International English Language Testing System) para aceitar a inscrição, explica, há quem desista.
Em Portugal, também é pedido aos estrangeiros que dominem a língua, garante a responsável. “Se as pessoas vão trabalhar para os hospitais, têm que perceber o que os doentes dizem”. Porém, “a fasquia que o NMC impôs ao exame é uma coisa ridícula. Mais vale dizerem que não querem acolher mais enfermeiros estrangeiros, e isto não tem só a ver com os portugueses”, frisa, atribuindo esta medida ao Brexit.
Disputados entre hospitais As empresas de recrutamento e seleção de profissionais de saúde também confirmam o interesse dos enfermeiros e das instituições em contratar portugueses. “Os hospitais [britânicos] têm já preparadas algumas estratégias para ajudar os enfermeiros a ultrapassar esta etapa”, revela Cesária Castro, da Vitae Professionals. A empresa está a recrutar 150 enfermeiros que irão fazer um curso de preparação para o IELTS ainda antes de partirem de Portugal. Além disso, refere, os portugueses que já lá estão são disputados entre hospitais, para cargos mais importantes, “sendo este um sinal de que estes profissionais não pretendem, para já, sair do país”.
A Jobabroad, que faz a escolha de candidatos, conta que “a seleção de pessoal na área de enfermagem continua igual”.
Por outro lado, “há muita gente que opta por voltar”, porque começou a sentir “um nacionalismo extremo” que não se verificava antes do referendo.
Segundo Ana Rita Cavaco, os concursos entretanto abertos por hospitais portugueses para a contratação de enfermeiros têm recebido candidatos com experiência profissional no Reino Unido, o que significa que há quem esteja a tentar voltar. “A vontade de alguns enfermeiros de regressar também já existia, independentemente do Brexit. Havendo contratações em Portugal, é evidente que eles se candidatam”, prossegue. Mas a Ordem não dispõe de números que permitam percebem a dimensão do retorno.
Susana Faria é uma das profissionais que regressaram do Reino Unido. Partiu para trabalhar no Hospital de Ipswich, a 140 quilómetros de Londres, em julho de 2015, com 24 anos. Após “oito duros meses”, as saudades de casa falaram mais alto.
Da sua experiência, destaca o serviço muito pesado, “com pessoas muito dependentes a exigirem muitos cuidados”, e a falta de enfermeiros. Mas há colegas, conta, que ficam porque “não querem trocar o seguro pelo inseguro”. Quando partiu, Susana integrava a bolsa de recrutamento do S. João. Ao regressar, foi chamada para integrar a urgência de pediatria deste hospital do Porto.