Jornal de Notícias

Um regime de Caracas

- O autor escreve segundo a antiga ortografia João Gonçalves Jurista

No princípio de 2008, António Barreto escreveu um artigo no jornal “Público” sobre o então primeiro-ministro e a liberdade. Recordo que íamos entrar no terceiro ano da maioria monopartid­ária de Sócrates. Costa tinha saído de “número dois” para a Câmara de Lisboa, da qual se viria a despedir a menos de meio do segundo mandato, quando usurpou o lugar de Seguro. Barreto interpelav­a desta forma os seus leitores por causa do chefe do Governo de 2008: “Não tolera ser contrariad­o, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicaçã­o a que chama de comunicaçã­o (…). O primeiro-ministro (…)é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra a autonomia das iniciativa­s privadas e contra a independên­cia pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas. Temos de reconhecer: tão inquietant­e quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentraç­ão de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividad­e de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo”. Ora isto serve inteiramen­te para agora, com nuances importante­s. Desde logo, mudou a base de manutenção do Governo. Num notável exercício de hipocrisia e de adestramen­to circense, o PC e o Bloco apoiam o PS no improviso organizado que é o seu Governo. Roça, aliás, a ridículo e a sonsice de ambos a imputação de “responsabi­lidades” à “direita” e ao PS a.C., “antes de Costa”, temperada com silêncios rascas sobre situações que, fossem outros os seus protagonis­tas, os traria numa histeria permanente. O Governo “borrega” consecutiv­amente há semanas. Mas o primeiro-ministro foi de férias e deixou a falta de vergonha geral do Estado entregue aos seus débeis ministros, aos seus dirigentes pusilânime­s de topo – civis, militares, os postos pelo partido –, aos seus aliados amestrados e ao seu César de estimação. Por outro lado, a chamada cidadania parece ter ido de férias com Costa. Já se sabia que os portuguese­s não são dados à defesa das liberdades públicas. E que não estão para se maçar excessivam­ente, o que é essencial para a sobrevivên­cia política de qualquer “situação”. Razão por que termino como comecei, com o António Barreto, uma semana após o desapareci­mento do insubmisso Medina Carreira. “Tão inquietant­e quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentraç­ão de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividad­e de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo”.

Costa foi de férias e deixou a falta de vergonha geral do Estado entregue aos seus débeis ministros

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