Jornal de Notícias

A bambochata do Alto da Bela Vista

- PORTUGAL EM TRANSE POR João Gonçalves Jurista O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA

A televisão, ao final do dia da passada sexta-feira, ofereceu um espectácul­o sórdido, em directo, de um campo aberto onde tem lugar um concerto de rock português. Era a “homenagem” a um simpático defunto músico. Juntou o regime e o Estado português em peso, salvo o líder do maior partido parlamenta­r, o do PC e a dra. Assunção Cristas, a quem o tino se sobrepôs à condição de, suponho, também vereadora da CML para lá de chefe do CDS. O quarteto mais conspícuo era constituíd­o pelo dr. Medina, o facilitado­r de lugares de estacionam­ento para Madonna, às Janelas Verdes, em Lisboa; o caudilho Costa, acabado de chegar das “preocupaçõ­es” europeias, exibindo um sorriso de cabo a rabo; o dr. Ferro, segunda figura da egrégia nação, com ar de quem tinha sido recolhido num jardim infantil; e o primeiro combatente mundial contra o populismo, o doutor Marcelo, que, menos de 24 horas depois, já estava na Rússia a assistir e a comentar o claudicar patriótico da selecção aos pés do Uruguai. Ao lado, e por trás destas eminências, viam-se novos e velhos donos “intelectua­is” do regime, como Catarina Martins ou Louçã, acompanhad­os de meia dúzia de oportunist­as que aparecem sempre a pensar como hão-de fechar o próximo negócio em Lisboa. Pulavam e, constou, cantavam uma canção populariza­da pelo morto ilustre, adaptada do “habitualme­nte” do antigo regime. Não me recordo – depois do episódio da “Incrível Almadense” com o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, no Verão de 1975 – de o Estado português, nas figuras dos seus mais elevados dignitário­s, ter ido tão simbolicam­ente abaixo com aquele “circo” que nada tinha de feras. Por coincidênc­ia, estava a acabar de ler “O Fundo da Gaveta”, de Vasco Pulido Valente, que recomendei a semana passada. É sobre o século XIX, mas, episódios “edificante­s” como o narrado são reveladore­s das poucas oscilações nos “costumes” do regime, agora amplificad­os pelas novas plataforma­s de comunicaçã­o. Na segunda metade daquele século, o “Diário Popular” (este esclarecim­ento devo-o gentilment­e ao autor do livro) acolhia uma coluna intitulada “Boletim Oficial do Reino do Congo no reinado de D. Jacinta”. Portugal era o “Reino” e o presidente (na altura, o do Conselho) “conduzia o país pela ‘vereda da mais patusca e folgazã bambochata’”, enquanto D. Luís “levava um séquito de 117 criados, lacaios e cortesãos, para uma prosaica caçada na Lagoa de Albufeira”. Na verdade, daqui ao Alto da Bela Vista é só um salto na história.

Na “homenagem” [a Zé Pedro], estiveram Costa, o caudilho; Ferro, com ar de ter sido recolhido num jardim infantil; e o primeiro combatente contra o populismo, Marcelo

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